Após quase quatro décadas de familiaridade com a área farmacêutica concordamos, eu e minha esposa, que chegara a oportunidade de constituirmos nossa própria farmácia. Na realidade seria uma drogaria. Assim eram entendidos os estabelecimentos que dispensavam, ou vendiam, especialidades farmacêuticas já industrializadas, prontas para uso terapêutico. A especificação 'farmácia' refere-se aos estabelecimentos que manipulam fórmulas magistrais reclamadas pelo receituário médico, não era nosso caso. Trabalharíamos com medicamentos já consagrados pelo uso popular, além de alguns fitoterápicos e homeopatias, cosméticos e alguma perfumaria, bem como artigos para higiene e congêneres. Era essa a nossa proposta ao iniciarmos. Com 'capital' limitado deveríamos nos entrosar perfeitamente antes de tentar alçar vôos mais altos. Embora pequeno, o empreendimento fora bem planejado e voltado para 'nichos' bem definidos. Iria suprir a demanda nos dias e horário em que as outras drogarias não atendiam. Tínhamos amigos que reclamavam a falta de profissional farmacêutico nas mesmas. Combinando minhas experiência e competência profissional com a necessidade de melhorar o teto para aposentadoria e a especial disposição de minha esposa, não enxergamos maiores riscos no empreendimento. Compramos prateleiras, utensílios e modesto estoque remanescente de uma drogaria que estava à venda há algum tempo. Alugamos o mesmo prédio, fizemos enérgica limpeza e pinturas com novas cores e disposição dos móveis. Adquirimos mais algumas prateleiras e expositores para 'Self service'. Divulgamos na mídia local o estabelecimento e a nossa proposta de serviços profissionais para todas as idades, com ênfase nos preços especiais para idosos e aposentados, além da experiente e permanente assistência farmacêutica. Finalmente no dia dezoito de dezembro de 2.001 inauguramos nossa drogaria. Somente aí é que telefonamos para o nosso filho, no Rio de Janeiro, informando-o de nossa 'proeza'. Ele nos encorajou muito e mais tarde até passou a nos enviar CD's com 'comerciais' para incrementar o progresso da 'farmacinha' como, carinhosamente, a trataríamos. O primeiro dia apresentou um 'faturamento' modesto, decorrente do pouco estoque e muitas faltas. Nos dias subseqüentes, com as faltas gradativamente sanadas, às custas de mercadoria recebida de pedidos realizados no dia anterior, o faturamento gradualmente foi aumentando e nos enchendo de entusiasmo. Lá pelo sexto mês de vendas, já percebíamos a necessidade de ampliar o investimento. Discuti o assunto com minha esposa e sócia co-proprietária. Tentamos examinar a questão objetiva e racionalmente, à luz de nossa realidade. Aguardaríamos mais um pouco. A procura por nossa drogaria era satisfatória. As restrições referiam-se a não oferecermos crediário e também não realizarmos manipulação de fórmulas. Fomos os primeiros a apostar nos medicamentos 'GENÉRICOS' mas esses não faziam esquecer a manipulação. Esta, na minha visão apresentava reticências que a mídia local desconhecia e, eu por razões éticas, não devia nem podia boicotar. Isto devido ao fato de a dita manipulação estar sendo temporariamente administrada por uma drogaria cujo responsável técnico tinha sido eu próprio, até a alguns meses atrás. E fora um dos motivos de eu desligar-me da referida drogaria cujo proprietário decidira criar o 'serviço de manipulação' sem ouvir minhas ponderações técnicas. Alegara que não havia necessidade de revisão contratual(TAC-'termo de ajustamento de conduta') pois quem executaria os procedimentos não seria eu. Isto me prejudicaria duplamente pois eu não receberia pela responsabilidade técnica da manipulação e ainda arcaria como responsável-técnico pela mesma, mesmo sem saber quem e com que critérios a realizavam. Sem outro entendimento cancelamos nosso contrato de trabalho. A seguir fiz um balanço nas finanças e decidi com minha esposa montar nossa própria farmácia que era uma aspiração antiga e cuja possibilidade já especulávamos desde algum tempo. Os resultados mostravam-se animadores deixando-nos com a impressão de termos decidido acertadamente pois a completar um ano de atividade, com estoque sempre atualizado, contabilizávamos faturamentos sempre crescentes. Foi então que um 'velho amigo' resolveu nos importunar mais uma vez: ameaçadoramente o rio piratini começou a encher e transbordar. Suas águas já invadiam as ruas centrais da vizinha cidade de Cerrito e a chuva continuava copiosa. Assustamo-nos. Ressabiado pelas enchentes de 83 e 92, decidi salvar o estoque de mercadorias. Comecei lá pelas dez horas da noite: enchia sacos plásticos com medicamentos, por ordem alfabética, e os colocava no 'fiestinha', transportando-os pra nossa casa que fica na coxilha. Apelar para terceiros nem pensar, pois nessas ocasiões imitamos as formigas: 'cada um carrega seu fardo ou trouxa'. Levava uma carga e vinha buscar outra. No intervalo dava uma controlada nas águas do traiçoeiro rio. Lá pelas três horas da madrugada estava concluída a transferência do estoque, documentos, equipamentos e objetos de uso e utensilhos menores, potencialmente perecíveis nessas situações. Ao amanhecer, em meio a uma multidão que varou a noite observando o avançar das águas, começou a circular a notícia que a chuva havia dado uma trégua nas cabeceiras dos rios Piratini e Santa Maria da Orqueta. Eram informações comunicadas desde as cidades de Piratini e Herval, respectivamente. O dia transcorreu com o rebelde rio 'bufando', mas ainda indeciso. Lá pelas tantas nova informação dava conta que as águas estavam 'recuando'. Entretanto ainda pairava no ar um 'ambiente pesado de enchente': céu muito carregado e um certo 'calor de desconfiar', segundo os mais antigos e experientes citadinos. Aguardamos, assim como a maioria dos demais comerciantes do centro de nossa cidade. No terceiro dia as águas continuaram baixando e isso nos animou a retornar para nossos estabelecimentos comerciais. Afastado o risco de enchente voltamo-nos para reorganizar nossa farmacinha. Atiramo-nos, eu e minha esposa-sócia, 'de corpo e alma' na drogaria, visando recuperar o tempo perdido com a ameaça do velho rio. Desta vez ficara só na 'ameaça', felizmente. Entretanto, e neste instante, acode-me um pensamento um tanto arredio. É como se somente agora eu estivesse a perceber o efeito de 'ducha fria' que aquela ameaça de enchente exerceu sobre os nossos ânimos. No ano seguinte me submeti a uma cirurgia de Hemorróidas que me afastou três dias do serviço. Para nos auxiliar contratamos, por alguns meses, uma senhora experiente no serviço, já aposentada. Nos deu uma idéia de custos, orientando nossa intenção de contratar um empregado . Coincidência ou não, fato é que o estado de coisas já não nos entusiasmava como antes. Uma vez mais decidi trocar opinião com minha esposa. Até pensamos em 'encilhar' o negócio com mais aporte de recursos financeiros. Para tanto ainda tínhamos uma pequena reserva técnica, além da faixa de crédito bancário que nossa firma nunca havia utilizado. Entendíamos que estivéramos a colher os frutos proporcionais ao investimento realizado até então. Doravante, para continuarmos a crescer, imperioso era que efetuássemos novos investimentos na ampliação e modernização da drogaria, tornado-a mais competitiva. Minha esposa não era muito a favor de maiores investimentos. Já trabalhávamos muito, principalmente ela que, paralelamente, ainda administrava nossa casa que não é pequena. Novos investimentos aumentariam o faturamento e também as despesas, pois obrigariam a contratar, permanentemente um funcionário, no mínimo, com todos os custos e encargos sociais legais. E isso não representaria mais lucro nem vantagem de qualquer ordem para nos dois. Eu, como responsável técnico, teria que continuar presente na drogaria, enquanto ela estivesse aberta(às vezes trabalhava até a meia-noite), cerca de quatorze horas diárias. Estava demais, mas de conformidade com a lei. Era o proprietário, conhecia a legislação pertinente. Se não a observasse, moral e eticamente como eu ficaria ante às exigências sanitárias e os consumidores de medicamentos que têm todo o direito de exigir a assistência pelo farmacêutico?. Postas como estavam as coisas, cumpria-nos aguardar ocorresse uma idéia brilhante capaz de iluminar o caminho a seguirmos. Entrementes nosso Guarda-Livros informa-nos que uma chamada 'operação pente-fino', da Secretaria Fazendária Estadual, tinha autuado todas as farmácias da região. Fôramos 'contemplados' com uma multa de cerca de dez mil reais, por conta de notas de vendas à vista eventualmente não tiradas. Se pagos no prazo estipulado ficaria pela metade. Ora vejam!, considerei a tal multa um verdadeiro 'achaque' contra quem ainda trabalha e produz. Isto por que já recolhíamos o Imposto sobre vendas presumíveis calculado sobre o total da fatura-fiscal quando a mercadoria encomendada saía do depósito das distribuidoras. Outra modalidade fora a 'indústria do lacre' nas placas dos automóveis. Funcionava assim: um funcionário estadual, ou até um 'flanelinha', aproveitava um 'pestanejo' no trânsito ou estacionamento e rompia o lacre da placa com o alicate. A seguir o veículo era autuado e o proprietário intimado a recolocar o lacre. Todos procedimentos que rendiam recursos que financiavam programas e campanhas políticas espúrias. Essas e outras arbitrariedades cometidas contra o cidadão que trabalha para poder gerar alguma renda e tributos, acabam por 'esfriar' e desencorajar muitos pequenos e mesmo médios empreendedores. Era inevitável que acontecesse conosco também. A par de todo o apoio que nosso filho nos oferecia, mesmo à distância, não nos achamos no dever de resistir e continuar investindo no setor farmacêutico. A regularização de uma pequena drogaria exige um longo, complicado, cansativo e dispendioso processo burocrático, a nível municipal, estadual e federal. Quando o proprietário é o próprio farmacêutico ele não paga Responsável Técnico mas também dificilmente consegue fazer 'retiradas' equivalentes ao que receberia como tal, na condição de empregado. É ainda o farmacêutico que paga todas as taxas de suas entidades de classe e as da empresa de que participa, quando sócio ou proprietário. Em conseqüência são raros os profissionais bem sucedidos no ramo de comércio farmacêutico. Serão decerto os mesmos cujos pais lhe propiciaram estudar em Escolas Particulares e que ao findarem o Curso de Farmácia lhes regalam com uma farmácia ou drogaria, montada a preceito para tornar-se competitiva, num mercado onde existe em média o dobro de estabelecimentos necessários para atender as necessidades da população( dados da O.M.S. veiculadas na mídia). A maioria das grandes redes de drogarias ou farmácias não são propriedade de farmacêuticos. Nesse ramo existem empresários inescrupulosos cujos procedimentos podem ir desde a comercialização de mercadoria sem procedência(raramente caminhões com medicamentos roubados são recuperados) até a produção fraudulenta de remédios para doenças raras. Infelizmente não posso ignorar que existem farmacêuticos envolvidos em transações excusas. Creio tratar-se de uma porção minoritária. Posso asseverar que estou achando muito difícil ser profissional honesto em qualquer ramo de atividade em nosso País hoje. Todos esses acontecimentos contribuíram para o esfriamento de nossos ânimos com a 'farmacinha'. Some-se a eles o fato de minha esposa ter recebido a carta de aposentadoria por idade. Eu já estava aposentado por tempo de serviço a mais de uma década. Com a aposentadoria dela deveríamos repensar nossa existência futura. Sabíamos que não era muito simples transferir o empreendimento. Continuaríamos até quando fosse possível e Deus decidisse. Os impostos e as taxas públicas recrudesciam. Em dado momento o faturamento estagnou. Aluguel e serviços bancários dispararam. Grande prejuízo em medicamentos éticos cujo prazo de validade esgotara por falta de receituário médico. As farmácias maiores, mais antigas e sólidas resistiriam. Nosso município, agora empobrecido, havia perdido a capacidade de atrair e reter médicos especialistas e seus respectivos receituários. A manutenção de estoques mostrava-se onerosa. Alguns fregueses tradicionais transferiram-se para outras cidades com mais recursos. Muitos dos que permaneceram na cidade são aposentados. Estes costumam comprar no crediário e às vezes se tornam inadimplentes. Se apertar a cobrança migram para outro estabelecimento com mais fôlego, ou se socorrem na Justiça que estabelece normas rígidas de cobrança contra os comerciantes. E éramos ainda 'aprendizes' de comerciantes, mesmo que na idade sejamos vovôs. Enfrentávamos todas estas adversidades e mais a limitação da saúde que já nos fazia claudicantes. Minha esposa, que traumatizara um joelho quando mais jovem, sofria agora de artrose. Eu, em conseqüência dos traumatismos sofridos no braço direito- já relatados anteriormente- passei a padecer de artrose de cotovelo. Ainda assim reagimos e contratamos uma administradora de Cartão de Crédito que já começava a dar sinais promissores quando surgiu um interessado em nos comprar a 'farmacinha'. Não a vendemos imediatamente. Conjeturamos durante algum tempo. Em dado momento a razão se manifestou mais fortemente e decidimos nos desfazer de nosso empreendimento. Transferimo-lo para um outro farmacêutico e seu sócio, ambos jovens e dinâmicos empreendedores, com recursos financeiros e fôlego que a atividade requer. Estão satisfeitos e continuam investindo no negócio. Havíamos desempenhado por quase sete longos anos como empresários farmacêuticos. Durante esse tempo descuidáramos até de nosso único filho, quando nos vinha ver. Na seqüência cuidaríamos de nossa saúde. Minha esposa se reprogramou e agora divide seu tempo com nossa casa, e as Artes Plásticas nas horas de folga. Eu reassumi a Responsabilidade técnica pela Farmácia Interna da Santa Casa local, pela qual já havia respondido durante um quarto de século, antes de assumir a nossa. Nas folgas faço longas caminhadas, aparo grama, capino o quintal, trato alguma fruteira e, óbvio, leio um pouco e anoto algumas memórias e idéias que despacito se vão esfumando. Aguardamos a idade apropriada para nos submeter a cirurgias de implante de próteses. Pessoalmente experimento saudosas recordações da 'farmacinha' e dos muitos amigos que me honravam com suas preferências para orientá-los em algum assunto profissional. Alguns deles vez que outra ainda me dão e pedem atenção. A grande vantagem é que agora quando nosso amado filho nos vem visitar podemos lhe dedicar todo o tempo do mundo, graças ao Onipotente Criador.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
terça-feira, 18 de maio de 2010
O MICRO E O MACROCOSMO.
- Ufa!, finalmente consegui desembaraçar-me da audaciosa 'investigação do insondável'. Através dessa forma de divagação procurei esboçar um tanto discretamente a performance de grande parte de minha experiência como ser humano. Mais precisamente como Microcosmo em face ao intrincado e incomensurável Macrocosmo. Revendo minhas memórias desde aquelas referentes à infância marcada por cenas e atos rudimentares, nas Estradas de Belém, não pude deixar de me identificar no papel de integrante na formação do grupo familiar que estava contribuindo, naquelas circunstâncias, para um futuro bem mais abrangente da sociedade brasileira, a qual por sua vez viria a influenciar na esfera mundial. Dias virão em que serão amplamente difundidas as noções de que cada um ser humano consciente constitui, na realidade, a 'unidade funcional fundamental cósmica'. Já o é em nossos dias atuais, decerto. Entretanto os inúmeros interesses de ordem política, social e econômica não encorajam muitos inescrupulosos e despreparados líderes da humanidade a reconhecer e fazer difundir a importância do ser humano bem estruturado na harmonia planetária e cósmica. Algumas nações mais habilidosas enriqueceram ao explorar com sucesso outras mais novas e menos experientes. Assim transformaram-se em potências econômicas, políticas e militares. São esaas mesmas que desde a algumas décadas vêm sustentando bilionários programas de exploração do espaço inter-planetário, em renhida competição na busca do domínio espacial. Um dos objetivos dessa demanda, alegam, seria encontrar planetas cujas condições possam permitir a vida humana se perpetuar quando as Terrenas se tiverem exaurido. Nosso satélite natural, a Lua, já foi descartado quando se lhe diagnosticaram falta de tais condições. O objetivo agora está focado em Marte. Em alguns decênios, poderá ser Júpiter, Saturno ou Netuno o planeta investigado para hospedar o industrioso, irreverente e inconseqüente Homo sapiens hodierno. Caminha assim nossa humanidade. Muitas regiões de nossa Terra são desertas, outras assim estão injustificavelmente. Haja vista em grande parte do território de Israel, e principalmente dos Países Baixos, cujas costas marítimas foram transformadas em férteis áreas agrícolas. Nosso Brasil não ficou atrás na prática de aterrar o mar. A bela 'cidade maravilhosa' do Rio de Janeiro tem aproximadamente um quinto de sua área urbana ganha ao mar, através de aterros. Diferentemente, porém, ali preferiu-se 'plantar' edifícios de apartamentos visando a exploração imobiliária, com o conseqüente aumento da capacidade de fixação humana na orla marítima. Assim fica mais fácil lançar dejetos e contaminar com lixo a matriz fluida cujo seio nutriu a primeira molécula orgânica- constituinte do primordial 'trilobita', da era Paleozóica, referida por notáveis cientistas evolucionistas- que por sucessivas metamorfoses teria originado o 'Homo sapiens' que hoje a agride impiedosa e quase impunemente, pelo menos por enquanto. Mas, creio, é questão de tempo. As leis da Natureza são inflexíveis, tardam mas não falham. Quem viver verá!. E verificará a dimensão do equívoco humano que, ainda sem conhecer a plenitude do mar onde originou sua vida, ousa aventurar-se agora no espaço cósmico, buscando um outro planeta capaz de o hospedar e, como recompensa, vir no futuro sofrer a destruição, a exemplo do que vem hoje ocorrendo com nossa mãe Terra. Fato esse que está tirando o sossego de muitos 'terráqueos'. Entre esses me encontro!. E quase sem perceber, me enredava em novas divagações, quando , 'en passant', abordei a contaminação por dejetos que costumamos lançar na orla marítima. Este fato mexeu com restos de memória dos anos em que eu realizava análises clínicas. Recordei da Parasitologia Clínica. Particularmente do Exame Coprológico como é conhecido, no âmbito profissional, o exame de fezes. Por sinal um exame muito valioso para o interessado, atento e experiente Clínico que no laudo certamente saberá decifrar informações indicativas de normalidade ou de irregularidade na saúde do indivíduo. Com freqüência o médico requisita esse exame com o fito de orientar-se, ou como auxiliar na elucidação da queixa manifestada pelo paciente. Para isto é imperioso que o Laudo laboratorial seja confiável. E criterioso. Em nosso laboratório eu costumava enfatizar que o 'exame começava com a orientação para obter a amostra do material a ser examinado, e terminava no momento em que o resultado era entregue ao paciente'. Assim as instruções oferecidas ao candidato deviam ser muito claras e seguidas à risca. Por vezes diante da aparente dúvida por parte do paciente, eu questionava se me havia feito entender. Era freqüente pedir que repetissem os pontos considerados obscuros, que alegavam não entender nas instruções verbais, e mesmo nas escritas. Creio que alguns até deixaram de realizar exames comigo por julgarem-me demasiado impertinente até com 'um simples exame de fezes'. Pode parecer simples mas requer certos cuidados, perícia e até discrição. Como justificar, por exemplo, a presença de espermatozóides em material escatológico. Era imprescindível conseguir outra amostra com todos os cuidados exigíveis para não haver contaminação na coleta. Deste modo podia-se evitar até constrangimentos, naqueles dias. Era norma no nosso serviço. Minha esposa adotou tal costume e secundava-me nos procedimentos, desde o agendamento, recepção das amostras com identificação rigorosa, exame qualitativo e preparação das mesmas para eu realizar a microscopia, e finalmente o 'rascunho' dos Laudos pertinentes. Meu filho, já referi, datilografava o resultado dos ditos cujos e os encaminhava ao meu crivo e assinatura, se estivesse de acordo. Às vezes eu rejeitava alguma letra batida em cima de outra e inutilizava o trabalho, requerendo outro resultado sem rasuras. Não era raro determinado resultado chamar minha atenção. Neste caso eu repetia o exame, ou então solicitava ao paciente a gentileza de comparecer com nova amostra. Com freqüência não o faziam sorrindo. Algum até desvirtuava minha atitude, julgando tratar-se de negligência profissional. E isto que, por vezes, ao agitar o tubo de ensaio para homogeneizar o material respingava gotículas em meu avental, e até no meu bigode que, por coincidência, também era de cor castanho!. Noutras oportunidades eu acabava 'desopilando' minha frustração com a esposa ou com o filho que no geral, nada tinham a ver com a responsabilidade profissional que era apanágio meu. Outras vezes, ante a 'pressão' do doente ou seu familiar, o médico solicitava uma série de exames e condicionava seu veredicto ao recebimento dos resultados dos exames. A minha responsabilidade então aumentava e as cobranças também. Foram vários anos sob esse clima de tensão. Para agravar o Instituto(I.N.A.M.P.S.) começou a pagar cada vez menos pelos procedimentos e sempre com abusivos atrasos. Por essa época meu filho já se determinava. Cursava a Escola Técnica, à noite, em Pelotas. Nas folgas dos afazeres escolares e do Laboratório, praticava violão para o qual revelou talento desde a primeira lição. Num belo dia informou-nos que não iria trabalhar mais conosco no Laboratório. Não queria a Área da Saúde. Abraçaria a de Comunicações. Começou a mexer com radio-difusão na emissora local e depois na cidade de Rio Grande. Intensificou seu interesse pelo violão e a música gauchesca. Teve algumas aulas de violão solo que o credenciaram a fazer um 'recital' com músicas clássicas incluindo F. Lizst, E. Nazareth e outros que a memória não resgata. Participava, também, em Festivais de Música Nativa, apoiado pelo CTG da Escola Técnica. Juntamente com os amigos e colegas Danúbio, Fabian e Pedro Umberto formaram o conjunto 'CIO DA TERRA' que participou de vários eventos nativistas de nossa micro-região. Paralelamente com essas ocupações, concluiu o curso técnico de Eletrônica e decidiu prestar serviço militar na Aeronáutica, em Santa Maria. Desfez-se o 'Cio da Terra'. Nas folgas da caserna visitava-nos e matávamos saudade de quando saíamos a passear nos feriados e fins-de-semana em que não trabalhávamos. Apreciava tomar banhos no 'passo novo', rio Piratini, em cujas margens, à sombra de frondosas e copadas guabirobeiras saboreávamos 'macanudos' churrascos. Algumas vezes explorávamos a zona rural do município, principalmente o Cerrito, que à época, ainda pertencia ao município de Pedro Osório. Foi numa dessas oportunidades que decidimos subir até o alto do morro 'Cerro Pelado', marco geográfico histórico do município e da região, onde estão instaladas antenas de TV e de onde tem-se uma bela visão panorâmica da planície e do aglomerado urbano Cerrito/Pedro Osório dividido em dois núcleos pelo rio Piratiní que ainda conservava, em parte de suas margens, restos de vegetação ciliar e alguns raros exemplares de mata nativa. Na descida do morro- por uma acanhada estradinha 'carreteira', cuidadosamente pra não sacrificar a suspensão do nosso feroz Passat 1.8, de cor 'azul-copa', modelo 1.984- um inusitado fato aconteceu: uma codorniz se assustou e alçou um vôo rasante indo se chocar com o fio da cerca próxima, lateral a 'carreteira'. Estacionei o 'feroz' e fui conferir. Encontrei o pássaro morto. Havia se degolado no fio de arame. Possivelmente se assustou com a presença do nosso Passat que tinha fama de 'venenoso'. Concluímos que se esquivou do carro mas descuidou da cerca. Admitamos que até os bichos têm uma hora boba. Proponho-me a associar esse pequeno incidente, não devido ao acaso, mas a fatalidade ante a Lei das Probabilidades. Quando moleque, ainda na 'campanha', assisti várias codornizes se enforcarem em laçadas de linha de pescar estrategicamente armadas, pelo irmão mestre-padeiro, em portinholas abertas a certos intervalos em pequenos 'cercados' tramados com 'caniços' de taquara e alecrim. Depois espalhava-se alguns grãos de cereais, inclusive próximo às laçadas; aguardava-se a 'penosinha' aproximar-se e, no momento exato em que ela pisava a laçada a enxotávamos. Ela tentava alçar vôo e o 'enforcamento' era mais comum do que se possa imaginar. Esse método nos rendeu várias 'passarinhadas', quase sempre que nossa Santa Mãe velha estava ausente com nossas irmãs. Coisas do 'mundinho' 'guri', microcosmo infantil que o 'macrocosmo' adulto, que não vivenciou, não podia entender nem aceitar naqueles dias cada vez mais distantes e já bastante esmaecidos na memória.
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