sábado, 13 de fevereiro de 2010

AH OS TRÍDUOS DE MOMO DOS ANOS DOURADOS !

Eis que decidi fazer uma breve abordagem sobre um dos mais antigos acontecimentos envolvendo a raça humana e nossa indisfarçável vocação gregária ao longo desta multimilenar aventura no orbe terrestre. Não estou comprometido com outra entidade além de meu livre-arbítrio. Destarte a virtual renúncia por parte do eventual e atento leitor às minhas abordagens, certamente não me fará desapontado, nem se constituirá em obstáculo para que exponha um tanto do que minha consciência percebe e a razão sanciona. Uma realidade de ontem e outra de hoje. Ontem adolescente, estudante e trabalhador como auxiliar de Boticário. Lá pelos anos 60/61 na Cacequi da ainda buliçosa Estação Ferroviária, e dos dourados dias de minha adolescência. Duas dúzias de ruas, umas cortando outras lembrando um tabuleiro de xadrez;algumas centrais pavimentadas com pedras de basalto, irregulares. As demais alternando-se em areia e terra vermelha. Casario de alvenaria simples, em tijolos e telhas de barro comuns e pintura pouco conservada. Quando pintadas. No centro da cidade raras moradias diferenciadas. Na periferia, onde eu morava, a maioria das casas era simples, de tábuas e cobertura das mesmas telhas, às vezes folhas de flandres. Aqui o carnaval era um acontecimento social. Blocos carnavalescos e foliões previamente selecionados e organizados desfilavam na passarela armada no centro da cidade, em frente ao tradicional clube Comercial. Terminado o desfile os foliões se dirigiam aos seus clubes de origem, para receberem a Rainha e sua corte e, assim dar início aos bailes de Carnaval. Outro era o Clube Ferroviário Apolo, da família ferroviária. Tinha ainda o Club Recreativo Sete de Setembro, pertencente aos 'pretos', e cuja entrada só era permitida a quem fosse mui bem recomendado. O CTG "General Osório" não promovia carnaval. Os clubes eram muito bem cuidados e administrados pela 'fina flor' da sociedade local. Um folião visitante ou desconhecido que se aventurasse com máscara ou dominó era 'democraticamente' convidado a comparecer perante o Diretor Social para ser identificado e ter assegurada sua participação festiva. Os salões desses clubes, feérica e alusivamente ornamentados eram prévia e literalmente lotados por seus sócios efetivos, ou convidados, que ocupavam seus lugares em mesas, muitas delas cativas. Os blocos de foliões, incluindo alguns já bem 'experimentados' na arte de viver e se divertir, adentravam os salões sob copiosa chuva dos 'lança-perfumes', 'confetis' e 'serpentinas', os aplausos dos demais convivas festeiros e ensurdecedor foguetório. O Conjunto 'Regional do Gessi' acordava os foliões que a seguir eram febrilmente exortados pelas canções dos consagrados Carlos Galhardo, Lupicínio Rodrigues, Zé Keti, Dircinha e Linda Batista, Dalva de Oliveira, Jamelão , Noite Ilustrada e outros 'rouxinóis', até às seis da manhã. Algumas vezes eu saía do Clube Comercial direto pra farmácia. Passava água fria na cara e já estava no batente. Ao anoitecer os jovens foliões costumavam promover 'assaltos' às residências abastadas onde geralmente eram recepcionados com 'geladeiras convenientemente abastecidas' e algumas foliãs já com olhar de 'querendonas'. Não era raro mais tarde ver um par jovem 'misturado'- formado por um rapaz de 'um bloco azul' pescoceando uma jovem 'odalisca' vestida em 'plumas e paetês' vermelhos. Muitas vezes eram jovens parentes ou da família de altos funcionários ferroviários ou de fazendeiros. Estudavam em Santa Maria, Pelotas ou Porto Alegre mas brincavam o carnaval na acolhedora Cacequi. Meio século não conseguiu apagar a imagem do querido par de companheiros JOSÉ HAMILTON ACOSTA/JUSSARA MARIA GAUTO que, mercê suas simpatias, se tornou o centro das atenções em nossa "TURMA DO BARULHO", que naquele carnaval seria eleito o 'bloco mais popular'. O amigo José Hamiltom, é o mesmo que, alguns anos depois, ajudaria seus colegas médicos a me remendarem e salvarem a vida em Santa Maria, quando me rebentei num acidente automobilístico. Aliás este fato já relatei antes. A Jussara, é hoje consagrada advogada, militando na política onde já foi vereadora no Legislativo de Porto Alegre. Saudosismo à parte, vale lembrar que não conhecíamos 'drogas', exceto o 'lança-perfumes' com que os mais 'afoitos' costumavam embeber seus lenços, numa rápida fugida ao 'WC'. Outros se 'encharcavam' de tal modo que depois não aguentavam a 'Cuba Libre'( mistura de coca cola, rum, rodela de limão e gelo)que era o 'combustível' dos rapazes. Mais tarde, quando Fidel Castro assumiu o controle de Cuba, o rum foi substituído por cachaça e o 'combustível' passou a ser chamado "samba". As moças ainda bebiam refrigerantes, na maioria das vezes pagos pelos rapazes!. Os mais 'treinados', ou da 'velha guarda', geralmente bebiam Whisky com gelo, soda tônica ou mineral. Anos depois o uso de lança perfumes foi proscrito e a venda proibida. Aí a moçada se achou no direito de enveredar para as Anfetaminas e o LSD que já eram sucesso no exterior e divulgados na mídia. Canabis sativa, Cola de sapateiro, e outras drogas malditas viriam a seguir infernizar a vida dos jovens menos avisados que, hoje não precisam mais de pretextos para se intoxicar mesmo fora do Carnaval. A meu ver o Festival de WOODSTOK, em agosto de 1969, se constituiu num divisor de águas nos hábitos que medrariam na sociedade brasileira dali em diante. Ah os Velhos Carnavais, que saudosos tempos que não voltam mais!. Rimou!, que legal!. E aos domingos, então!, assistir a missa das dez horas era sagrado. Na igreja mesmo já éramos avisados que haveria 'quermesse' na Escola Normal Regional 'NOTRE DAME', à tarde. Aí a rapaziada se concentrava em frente ao 'barzinho' que não vendia nada 'espirituoso'. Além das pescarias ocorriam dedicatórias musicais e as arbitrárias 'prisões', em que o rapaz tinha que enfiar a mão no bolso pra libertar sua normalista 'protegida'. Não faltavam os 'pombos-correios' com mensagens 'chorosas' entregues mediante determinada 'taxa' desembolsada pela 'vítima' previamente 'investigada'. Ao anoitecer, as 'frerinhas' agradeciam a presença e a rapaziada se retirava com os jovens corações adocicados, tentando recordar os grandes sucessos do Anísio Silva. A maior inspiração vinha mesmo com "Minha Linda Normalista" do imortal Nelson Gonçalves. Era o lenitivo mais eficaz para muitos adolescentes daqueles belos anos. Altemar Dutra, Cely e Tony Campelo, Sérgio Murilo e Marcio Greik também inspiraram muitos jovens daquela época. Provocaram 'borracheiras' também.
No domingo de carnaval programava-se 'pic-nic' na praia do rio Cacequi. Outras vezes, no forte do verão, explorava-se a mata ciliar nativa desde a confluência do rio Cacequi com o Santa Maria até o ponto onde este rio se lança no Ibicui, bem depois da bela 'praia dos dourados', à altura da ponte do Entroncamento. Chegávamos aí em excursões organizadas pelos funcionários administradores da Estação Ferroviária local. Outra alternativa para escapar das escaldantes areias cacequienses era buscar as praias do rio ibicui, próximas do outrora porto fluvial, onde até aqueles dias existia o 'esqueleto' de um antigo vapor que fizera, em outros tempos, a linha regular entre Cacequi e Uruguaiana. A chegada dos trens fez desativar o transporte fluvial. Terminadas as férias de verão nos limitávamos aos passatempos triviais. Bingos dançantes no Comercial, ou Jogos de bolão e ping-pong. Vez que outra uma famosa orquestra procedente da região do Rio da Prata chegava de trem, vindo de Uruguaiana ou de Livramento, e animava um baile de 'arromba' que jamais seria esquecido. No próximo trem seguia para Santa Maria e outras partes de nosso Estado e País. Donato Racciatti, Cassino de Sevilha, Pedro Borgo, Suspiro de Espanha, e outros ainda são recordados. Considerado 'bom menino', estudioso, trabalhador e empregado, eu despertava o interesse entre algumas moçoilas. Quando quis mostrar serviço já estava na hora e fui convocado para o serviço militar. Ao entardecer de algum domingo ou feriado, saíamos a caminhar, conversando ou cantarolando, pela campina florida próxima e ao longo da via férrea. Grupos de quatro ou cinco moçoilas, irmãs e primas entre si, e eu de "bem-dito-o fruto", com a cabeça repleta de caraminholas. Nunca fui chegado no futebol. Brasil, Humaitá, Aimoré, Gremio da Cooperativa Ferroviária e Independente eram os times de futebol que disputavam o campeonato citadino, na Cacequi daqueles dias. Hoje, decorrido um pouco mais do que meio século e já me encontro enredado nas circunstâncias que me permitem examinar muitas das conseqüências do maior folguedo popular do mundo. O Carnaval brasileiro, pretendido por muitos como 'o maior espetáculo da face da Terra'. É claro que não tenho a mesma motivação dos dezoito anos para avaliar esse festejo. Minha consciência não melhorou nem piorou. Está amadurecida apenas. Às luzes do modernismo contemporâneo nossa percepção haverá de adquirir outras e mais compatíveis nuances. Assim é que a ilusão, natural e necessariamente, terá se esvaecido graças a uma gradativa conscientização espiritual. Até os sessenta e cinco anos trabalhei em média doze horas diárias; às vezes mais. Aos domingos e feriados a jornada era reduzida para oito ou dez horas. Raras vezes tirei férias, que à época ainda eram de vinte dias. Nos quase vinte anos em que realizei análises clínicas, por inúmeras vezes fui solicitado a atender urgências noturnas nos fins-de-semana e feriados, mesmo pelos convênios. Em determinadas ocasiões, sob uma carga tal de tensão psicológica, decidia no meio da noite, ir tirar uma 'soneca' em casa. Por vezes o sono não se apresentava e o remédio era retornar ao trabalho. Não podia deixar acumular serviço que poderia comprometer a inesperada demanda por resgate à saúde cuja ameaça não escolhe hora para bater em nossa porta. A prudência até nos alerta, invariavelmente creio, mas por invigilância nos tornamos vítimas. O tempo se deixou perceber e com ele os inevitáveis frutos das semeaduras da juventude. A idade chegou, e com ela inexoravelmente o declínio da saúde. A aposentadoria por tempo de serviço e a posterior migração para a farmácia comunitária se me afigurou como solução. O quotidiano mostrar-me-ia a dimensão do equívoco. Quando se exerce uma profissão voltada diretamente para a saúde pública jamais estamos livres de ser exigidos em nossos préstimos. A consciência profissional deve estar sempre vigilante. Mesmo num baile de carnaval, ou dois!; ou os três dias. Isto se o vivente tiver fôlego, como quando eu era jovem. Sou suspeito. Participei de poucos carnavais. Maioria quando solteiro. Raros depois de casado. Jamais em detrimento de minha performance profissional. Não fui folião notável. Sempre trabalhei na segunda e quarta-feiras. E nos dias subseqüentes. Tendo sempre ao meu lado minha esposa como fiel auxiliar e escudeira. Assim é que eu podia observar muitas das conseqüências dos Folguedos de Momo. Alguns pacientes com exames agendados para os dias seguintes ao término do carnaval raramente compareciam. Não eram os mais necessitados, certamente. Aqueles costumavam remarcar para outra data. A nível de Previdência esta atitude sobrecarrega o serviço em detrimento daqueles que não se divertiram e que na maioria dos casos são os reais necessitados. Uma questão de consciência individual que por inúmeras vezes acaba por comprometer a eficiência dos serviços de saúde pública, principalmente. Se consultarmos dados estatísticos confiáveis vamos constatar a exacerbação de muitos casos de declínio de saúde pública decorrente dos exageros cometidos nesses prolongados dias de permissivismos de toda ordem. Oficialmente talvez não nos cheguem os números, nos primeiros dias. Posteriormente, o tempo, "herói da trama", se encarrega de mostrar ao observador diligente a imagem corrigida da realidade. Os exageros são cometidos por todas as camadas sociais. A classe média é a mais comedida e também sacrificada. É nela que estão situados os grandes contribuintes de impostos. São os mesmos que na maioria das vezes educam seus filhos eletiva e seletivamente em escolas qualificadas cujos ex-alunos conseguem os melhores empregos e cargos de liderança. São também os mais visados pelos criminosos por deterem melhores referenciais. É por isso que essa faixa social está gradativamente se adelgaçando, e seus ex-membros migrando, vão 'engordar' classes menos aquinhoadas que assim passam a onerar cada vez mais fortemente os cofres públicos para os quais os remanescentes - mormente os da iniciativa privada formal- são compulsoriamente chamados a contribuir cada vez mais pesado. Pois os da informal, na qual se encontram muitos marginais, assaltantes, narcotraficantes, e a maioria corrupta dos que integram a classe política deste país, raramente são enquadrados e punidos em virtude de dispositivos legais elaborados pelos próprios. Nunca é demais recordar que até a alguns anos passados, era cultura em nosso País os governantes aproveitarem-se dos períodos em que a população estava entregue aos festejos e recreações para, 'discreta' e 'democraticamente', pôr em prática algum projeto ou decretar alguma medida claramente lesiva aos interesses da população ativa da iniciativa privada. Pois é esta que paga o pato, ao fim e cabo. Afigura-se-me imperioso reconhecer a possibilidade de surgimento de inúmeros postos geradores de trabalho e renda para os humildes da informalidade, durante esses folguedos de Momo. Mas há que manter-se também a máxima vigilância. Esta deve estar focada na qualidade e quantidade das mercadorias e serviços destinados ao grande público consumidor nessas ocasiões festivas. E também no fato de que muitos pequenos vendedores são na realidade representantes de grandes empresários empenhados em obter lucros fáceis e isentos de tributação compatível. Quem vive nas regiões de grande adensamento populacional e se dispor ao trabalho de conferir tais fatos saberá a que me estou referindo. Longe de aspirar a pecha de intolerante, cumpre-me asseverar que tenho sempre em mente a máxima "a resposta é sempre individual". A todo o instante a mídia nos dá conta da trajetória que nosso País vem descrevendo rumo ao grupo de elite, integrado por Nações do primeiro mundo. Temos que nos reportar ao fato de que nesse grupo especial encontram-se Povos que num espaço de tempo relativamente curto transformaram limões em salutar limonada. A Alemanha atual, reunificada depois de ser arrazada, se constitui num dos exemplos mais edificantes. Muito antes mesmo de ser dividida pelo falimentar regime comunista, viveu épocas de intensas agruras. Grande parte de seu povo veio dar com os costados em nosso Brasil há mais de cem anos. E essa população, em sua maioria, aqui desembarcou cadastrada como "colonos". Hoje constituem as cidades listadas entre as de mais alto Índice de Desenvolvimento Humano da Região Sul, e de nosso País como um todo. Outro exemplo de semelhante magnitude são as regiões identificadas como de colonização Italiana cujos Imigrantes integram as regiões em que estão as Comunidades mais ricas de nossos Estado e Pátria. Em menores contigentes vieram outros povos como Russos, Holandeses, Japoneses, Chineses, Judeus, Portugueses, Espanhóis e até Nórdicos. Todos atraídos em comum, pelo solo fértil e abundante. As regiões ou comunidades onde se estabeleceram progrediram às custas de muito trabalho e tenacidade. Hoje quando assistimos desfiles carnavalescos podemos facilmente identificar os grandes centros geradores de diversão e laser e os grandes pólos geradores de divisas às custas de muito suor e trabalho. Por sinal essas duas modalidades de 'passatempo'- diversão e trabalho- parecem não se harmonizarem perfeitamente. Pelo menos no que se refere a intensidade. A Mãe Natureza em sua infinita generosidade assim se tem apresentado aos seus filhos-hóspedes: onde ela mostrar muitas riquezas minerais(ouro, prata, cobre e pedras preciosas) via de regra o solo destinado a agricultura não será dos mais férteis. A recíproca pode ser verdadeira. Neste caso temos o direito de deduzir que o homem que honra a mãe Terra com trabalho árduo e pertinaz dela certamente receberá condições de viver com dignidade. Não é uma conclusão pessoal. Apenas limito-me a fazer resgate parcial, e um tanto discreto ao inesquecível patrício Luiz Carlos Barbosa Lessa(in: "República das Carretas" e "Rio Grande do Sul, Prazer em conhecê-lo"!). Pensemos nisto enquanto me retempero em novas reminiscências.

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