A algumas páginas atrás reportei-me ligeiramente às visitas que minha pequena família eventualmente realizava a cidadezinha Uruguaia de Rio Branco, vizinha da nossa heróica Jaguarão. Mencionei a alegria com que acolhíamos as coisas singelas, quase bucólicas, do local e da região como um todo. A cordialidade com que os hermanos nos recebiam naqueles dias, e ainda hoje. Não fosse a relativa dificuldade do idioma e não seria exagero qualificar de 'contagiante' a disposição com que nossos vizinhos nos tratam hoje. Percebo que nos dois lados da fronteira Brasil/Uruguay existe como que um certo esforço inconsciente no sentido de mútua aproximação e fraterno convívio. Do alto de meio século de convivência fronteiriça desde São Borja, no médio Rio Uruguai até os antigos 'Campos Neutrais' no extremo sul de nosso Estado, atrevo-me a afirmar que nem sempre foi assim. Especialmente no que respeita ao relacionamento com os 'paysanos' das províncias Argentinas separadas de nosso Estado pelo lendário rio Uruguai. Por oportuno é importante que lembremos de São Borja como a mais antiga civilização rio-grandense, tendo sido fundada em 1682 pelo jesuíta espanhol padre Roque Gonzales, com o nome original de São Francisco de Borja. Ao passo que a fundação de Rio Grande, obra do português explorador e militar Brigadeiro José da Silva Paes, remonta a 19 de fevereiro de 1737. Estas, portanto, são as cidades mais antigas de nosso Estado, fundadas respectivamente por Espanhóis e Portugueses. Depois de vários conflitos armados, sucedidos de negociações e tratados as duas cidades passaram em definitivo ao domínio Luso e, finalmente ao nosso Estado e Brasil. Possível significado para o nome 'URUGUAY'(uru=pássaro,gua=lugar e y=água)seria "Rio dos pássaros". Existem outras versões mas preferi anotar esta, por ser a mais difundida. Em minhas primeiras férias, quando eram de apenas vinte dias, em 1959 com dezesseis anos e as 'puas' querendo surgir acima dos calcanhares do então 'frangote, apesar dos fundados protestos de minha mãe, decidi conhecer Santana do Livramento e, obviamente, Rivera, no Uruguai. Justamente na época do Carnaval. Este não era muito festejado ainda naquela época e região. Poucas rádios e a imagem de TV ainda ausente na maioria das regiões do RS, deixavam a cobertura do evento para as revistas 'O CRUZEIRO' e 'MANCHETE' que não chegavam a atingir a performance da mídia hodierna. Também eu era comedido pra festas. Além do mais eu estava interessado na compra de algumas utilidades pessoais importadas. Viajei num dos antigos trens conhecido como 'Maria-Fumaça" pois era tracionado por máquina à vapor cuja caldeira era aquecida com energia da combustão do "carvão-de-pedra", um carvão mineral impregnado de óleo que se encontra em abundância no solo e subsolo de nosso Estado. Ao longo dos milênios teria se fossilizado. Muito calorífico mas acabava por deixar no ar uma fuligem carregada de partículas de carvão que deixava os passageiros e suas roupas pretos e irreconhecíveis. Mais tarde, já na faculdade Farmácia, tomaria consciência que a tal fuligem era responsável por muitas doenças das vias respiratórias, ou no mínimo as agravaria. É o caso das pneumoconiose e tuberculose. Fato é que na oportunidade saí de Cacequi às 13:30 e cheguei em Santana do Livramento lá pelas 18:00 horas. Um táxi levou-me, da Estação ferroviária, para o tradicional Hotel do Comércio que oferecia pensão completa. Após o jantar dei uma rápida explorada nos arredores. Afinal era a maior cidade que eu visitaria até então. Santa Maria viria a seguir. Na manhã seguinte, após o café, me fui conhecer a famosa 'Calle Sarandí' e seu movimentado comércio na buliçosa Rivera, uma das mais importantes cidades uruguaias, ainda hoje. Observei várias lojas com vitrines amplas repletas de artigos com nomes e expressões em inglês que eu mal começava a entender. Finalmente me decidi a entrar na Loja Americana. Comprei uma garrafa térmica, um relógio de pulso marca 'Robert Carter' com pulseira rígida e uma jaqueta em nylon, cor azul-claro, com pele de cordeiro na gola e fecho zíper. Fazia grande sucesso com a dita cuja, que além de bonita era muito quentinha. Usei-a por muitos anos. Por fim a substitui por um casacão 'pêlo-de-camelo' marca 'Balmoral', comprado na mesma loja, anos depois quando eu já era vendedor-viajante. O excelente relógio Robert Carter seria destruído no acidente de automóvel, cerca de dez anos depois. A garrafa térmica teve existência efêmera. Costumava deixá-la com café quente pra eu tomar pela manhã antes de sair para a farmácia. Uma noite cheguei em casa e minha saudosa mãe confessou, sem jeito, tê-la quebrado, por acidente, claro. Fiquei furioso com ela. Mas que fazer?. Voltaria a sacrificar mais uns minutos do sono matinal, tão caro aos jovens adolescentes, para preparar o café que naqueles dias ainda era passado no velho filtro de saco de algodão. Anos mais tarde compraria outra na mesma loja. No momento de efetuar o pagamento fui surpreendido com a pergunta: "oro" ou "papel". Não entendi nada!. Com alguma dificuldade o funcionário conseguiu me fazer entender que "oro" era a moeda nacional uruguaia e "papel" era o dinheiro brasileiro. Humildemente respondi que era em 'papel'. Paguei e não bufei!. Muitos anos mais tarde, já experiente, aprendi a trocar nossa moeda por 'pesos', nas casas de câmbio. Assim pagava-se sempre menos. Foi então que concluí ter sido vítima da 'marreta' cambial. Durante os longos anos em que viajei na região da fronteira, sempre me defrontei com a arrogante, presunçosa e antipática pergunta. Invariavelmente, acontecia em lojas, restaurantes e onde quer que se fizesse algum pagamento. Felizmente o 'herói da trama'-o tempo- uma vez mais se encarregou da correção dos fatos e hoje é bem diferente. Nossa moeda é quase tão bem aceita e desejada quanto o Dolar. Aceitam muitos cartões de crédito e raramente questionam se o pagamento será em "oro" ou em "papel". E a entonação da pergunta não é acintosa como em outros tempos. Isto no que diz respeito ao relacionamento comercial com o Uruguai. Outro era o relacionamento com a Argentina, na mesma época, posto quase insuportável. A tal ponto que raras vezes atravessei a fronteira para ir comprar alguma coisa nas cidades argentinas fronteiriças com o Brasil. Há que se ponderar que em todos esses anos, principalmente da década de 60 em diante, muita coisa mudou contribuindo para melhorar a imagem de nosso País e a auto-estima dos brasileiros. A par de um clima de desconfiança política estava sempre nosso atrasado modelo cultural, comercial, industrial e tecnológico. A própria agricultura e pecuária, atividades básicas que alavancam os demais setores econômicos de uma nação, andavam sempre a reboque dos Países Platinos e do Chile. Carnes e derivados, artigos de lã, queijos, cervejas, vinhos, azeite de oliva, farinha de trigo e seus produtos manufaturados- macarrão e galletas- atravessavam a fronteira em transações tanto oficiais quanto clandestinas. O advento do Mercosul terá contribuído para equacionar as relações nesse campo. Na área da cultura hoje é comum encontrarmos profissionais que se graduaram ou fizeram cursos de especialização em Montevidéu, Buenos Aires, La Plata, Córdova e outros importantes Centros Universitários platinos. Até 1960 era comum um sul-rio-grandense do interior tomar o trem ou um avião e demandar Montevidéu ou Buenos Aires para tratar sua saúde ou a de seu familiar. Era mais fácil, seguro e econômico do que ir a nossa Porto Alegre, único centro dotado de infra-estrutura satisfatória. A construção de rodovias pavimentadas estaduais e federais aliado ao surgimento de Universidades em Santa Maria, Pelotas, Caxias do Sul e outras mais recentes, veio oferecer alternativas e soluções viáveis. Quem vivia em centros ferroviários, com freqüência, deparava com composições férroviárias repletas de 'Guano'(fezes e excretas de pássaros e morcegos) procedentes dos países andinos, principalmente o Chile, via Uruguaiana-Cacequi, com destino às fabricas de adubos em Rio Grande. A muitos anos não vejo mais esses trens. Não acompanhei a evolução da indústria de fertilizantes e defensivos agrícola. Creio que nossos agricultores estão hoje melhores preparados e competitivos também. A monocultura vem sendo repensada em favor da rotação de culturas ou até das culturas casadas. O advento do plantio direto afigura-se como um avanço tecnológico, com a menor degradação do solo e custos de produção mais baixos. As exposições agropecuárias a cada ano mais incrementadas e concorridas, proporcionam intercâmbio entre os empresários nacionais e estrangeiros que nesses eventos trocam experiências. No esporte, particularmente no futebol, em que raramente superávamos nossos adversários Platinos, também avançamos. Hoje, com certa freqüência, os clubes brasileiros conseguem levar vantagem sobre os tradicionais 'papa-titulos' do cone sul. Enfim nosso País....'Gigante pela própria natureza....Deitado eternamente em berço esplêndido', parece começar a despertar verdadeiramente da letargia que o acometeu por mais de quatro séculos e meio. Otimismo e pessimismo à parte. O realismo se impõe na mudança do modelo pelo qual devem necessariamente se reciclar todos os setores e segmentos da Sociedade Brasileira. A começar pela classe política cuja consciência deve se modificar ascendendo a paradigmas(do grego:paradigmas, modelo) capazes de elevar a imagem de nosso País e melhorar as condições sócio-econômicas de quem nele vive e trabalha dignamente. Porém tal somente será possível quando a consciência se manifestar na vida de cada um e de todos os brasileiros. Principalmente nas mentes mais esclarecidas às quais compete justamente orientar as menos esclarecidas. A Lei Maior reza: o primeiro dever de um homem é instruir-se, e o segundo dever desse homem é instruir seu semelhante. Desta maneira estaremos constantemente melhorando nosso paradigma. Ouso conclamar todos os virtuais leitores que me honram com sua atenção para que doravante sejam o mais meticulosos possíveis na instrução e seleção daquele ou daqueles a quem irão confiar a sua Procuração Representativa, o Voto. Para que, muito em breve, não venhamos a 'chorar sobre o leite derramado'.
quarta-feira, 3 de março de 2010
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