sábado, 12 de dezembro de 2009

A TRANSFERÊNCIA

Uma vez mais me defrontaria com circunstâncias que exigiriam nova atitude visando o tão almejado sucesso e a realização pessoal, perseguidos desde a idade de dez anos incompletos, quando fui levado para a cidade de Cacequi,onde comecei, ainda cedo, o aprendizado do então ofício de Boticário. Foram longos anos de pertinazes esforços e confusos sonhos, dos quais algumas vezes como que 'despertava' banhado em suor e lágrimas. Finalmente, vinte anos após, estava eu preparado para exercer a profissão de "Farmacêutico", modalidade Bioquímico, na área de Análises Clínicas. De 'quebra', ainda poderia ser 'Responsável-técnico' por uma ou duas farmácias ou drogarias, enquanto não fosse possível ter a minha própria. Até que essa não era a prioridade maior, como veremos adiante. Tal atitude envolvia a "mudança" com minha família; na verdade era uma TRANSFERÊNCIA que deveria ser efetivada o mais breve possível devido a premente necessidade de Laboratório de Análises Clínicas na pequena cidade de Pedro Osório. Tal como a maioria das situações que envolvem tomada de decisão e atitude, esta mudança também seria exigente. Como enfrentar a idéia de viver longe de nossos amados familiares que tanto nos foram de valia. Nossas Mães,Sogras,Sogro, irmãos,cunhados, sobrinhos e amigos com quem convivêramos intensamente durante cerca de dez belos anos, e que assistiram a quase 'demolição' do "rapa-de-taxo". Esses mesmos amados, especialmente, a sogra que era MAIS UMA MÃE que eu ganhei ao casar com a filha dela. E os amigos que acompanhavam meus e,agora,nossos passos, pois minha esposa e nosso filho estavam sempre juntos comigo e com os 'troncos velhos'. Não faltava um para questionar o motivo de irmos embora para um local tão distante. Como responder ou argumentar para esses amores que nos acolhiam em seu convívio e que tanto nos apoiaram durante o período em que estive sendo 'remendado' em hospitais, e mesmo depois da longa convalescença, os esforços com a faculdade. Como justificar a decisão de deixar a Cidade Universitária em favor de um pequeno ex-centro ferroviário que sequer conhecíamos direito. Certamente que fomos duas ou três vezes a Pedro Osório, antes da transferência. Mas daí a conhecer o lugar correspondia a uma diferença comparável ao deserto do Saara. A família de minha esposa e sua numerosa parentela eram e são muito conhecidos e relacionados na bela Santa Maria. Eu contava só com a mãe e alguns irmãos na localidade. Em compensação tinha alguns amigos e ex-professores que poderiam ser acionados para tentar 'cavar' uma colocação profissional. Nenhum desses fatores contribuiu. Nem mesmo ocorreu-me de acioná-los. O fato de estar formado e preparado para exercer uma Profissão Liberal embriagava-me de tal modo que não permitia sequer imaginar um mínimo risco de insucesso. Afinal iria desempenhar a profissão numa comunidade onde havia necessidade dela. Convidado por um dos maiorais do local, amigo de longa data. Pelo que pudera observar e me fora 'projetado', em poucos anos eu estaria com o 'pé-de-meia' feito e poderia finalmente me dedicar ao estudo da Medicina, um velho sonho, há muito acalentado. Hoje, já 'surrado' pelas vicissitudes da vida e as voltas e contra-voltas que executamos, ponho-me a cismar e chego mesmo a questionar a decisão de ter abandonado tantos valores humanos e até mesmo ter sacrificado nosso 'belo chalé' de paradisíaco entorno, para abraçar um porvir que ao fim e ao cabo não nos levou muito além do que éramos na década de 60/70. Não aconteceu de ter eu 'dado com os burros n'água'. Longe disso. Não me posso queixar da comunidade que nos acolheu. Ela tem a sua cultura e sua consciência. Tem suas particularidades, assim como muitas outras. O Profissional sou eu. As decisões profissionais, certas ou equivocadas teriam e terão que ser tomadas por mim. As conseqüências, agradáveis ou não, foram e serão assimiladas por minha pequena mas aguerrida família. Aproximadamente um mês após ter me graduado em farmácia, iniciei o exercício profissional. Comparado com a maioria de meus colegas, eu já era "corôa" quando iniciei. Na plenitude da 'idade de CRISTO' eu estava iniciando a prática de uma das profissões mais antigas do orbe. Com as dificuldades, próprias da maioria dos começos, esse não seria diferente. Embora já vaqueano de outros tempos e outras lides, não estava imune às adversidades que se me iriam apresentar nos primórdios de minha nova profissão, na qual vislumbrei alguns traços de sacerdócio, ao cabo de longos anos de exercício. Foi por essa época que comecei a adquirir a consciência da dificuldade em viver e trabalhar honestamente em um País no qual a noção de moralidade, ética e respeito aos mais sagrados direitos do cidadão são irremediável e inapelavelmente desconsiderados. Devia ser a 'Idade da Razão' se manifestando no jovem que começava a colher os primeiros frutos como Profissional Liberal, depois de enfrentar alguma turbulência de ordem política, para a qual não havia sido adestrado. Materialismo à parte, o fato de termos deixado nossa simpática e acolhedora 'vivenda' em Santa Maria foi uma prova de resistência para o futuro do incipiente candidato a espiritualização nos anos vindouros. Para consolidar nossa permanência na localidade e resgatar as prestações pendentes contraídas com a aquisição dos equipamentos e reagentes laboratoriais, tornara-se-nos inevitável vender nosso chalé. As despesas de regularização do estabelecimento junto aos órgãos públicos municipal, estadual e federal eram e, ainda hoje, são consideráveis. Além do dispêndio em paciência, com a 'burrocracia', que nunca foi meu forte. Ah! e ainda devia algumas parcelas referentes à compra de um 'fuscão', que embora com vários anos de uso, estava em boas condições, em que pese a desagradável cor vermelha. Com o recurso apurado na venda da casa pagamos todas as pendências e ainda restou um pouco que foi parar na poupança. Passei a trabalhar um tanto mais aliviado. Era como se meu espírito tivesse sido liberado de um estado de asfixia. Só quem passou por tal situação pode compreender. A exemplo de outras atividades intelectuais, também no estudo da doutrina Espírita tenho evoluído a passos de tartaruga. Acredito, hoje, estar um tanto esclarecido a ponto de 'perceber' através dessa Ciência as respostas para muitas questões com que tenho me defrontado ao longo da existência. É um ramo fascinante de conhecimento e imprescindível para a formação e aperfeiçoamento daquele ser humano que se pretenda enquadrar entre os "criados à imagem e semelhança Divina". Não creio possuir o dom disciplinado, imperturbável e infatigável do perscrutador de supostas verdades reveladas. Mas certamente gastarei o restante de meus dias buscando, regularmente na ciência e Doutrina espíritas, informações que me possam significar a versão mais aproximada daquilo que minha consciência possa perceber como verdade.

Um comentário:

Pauta Cifrada disse...

Especial!


"Adiante seguimos embalados
Pelo trem que bem parece entender
O sentido da chegada e partida
Que um viajante procura sorver"