quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O RIO PIRATINI MUY AMIGO

Atualmente nossas visitas são mais freqüentes a Pelotas, bela Princesa do Sul, localizada na margem ocidental da Lagoa dos Patos, quase na entrada do Canal São Gonçalo. Este, por muitos, tratado como rio, faz ligação com a Lagoa Mirim que em sua porção mais meridional serve de fronteira virtual entre nosso país e o vizinho Uruguai. A fascinante metrópole da zona sul, conta com inúmeros prédios históricos de arquitetura neocolonial, alguns muito bem conservados nos remetem à época do império brasileiro e ao áureo período em que a economia regional girava em torno da atividade pecuária e saladeiril que tantos dividendos gerou para os então conhecidos senhores de charqueadas. Por sinal eram esses abastados barões do charque que enviavam seus filhos a estudarem fora de nossa então Província de São Pedro. Às vezes iam até para a Europa, particularmente Lisboa e Paris. A maioria estudava em São Paulo ou Rio de Janeiro mesmo. Como é de se supor, acontecia de os jovens retornarem com formação profissional e também com hábitos sociais mais refinados em relação aos que aqui permaneciam. Com o tempo essa bela cidade e sua pujante gente passaram a ser objeto de escárnio, principalmente por parte daqueles que, não os conhecendo, decidem denegrir-lhes a imagem que ao fim e ao cabo não difere de muitas outras históricas e cultas cidades brasileiras que a influenciaram em outros tempos.
Pelotas possui uma completa infraestrutura que a torna uma das mais atraentes do sul de nosso estado e do país. Nos áureos tempos, seus teatros atraíam famosas companhias de revistas e orquestras que aqui chegavam por navios e mais tarde por trens. Difícil resistir ao apelo de seus numerosos restaurantes e churrascarias. Preferíamos o serviço à la carte, vez que o “espeto corrido” nos deixava empanzinados. Certa vez, no restaurante Cruz de Malta, após saborearmos um lombinho de suíno e galeto, pedimos um "Rei Alberto", sobremesa que meu filho nunca dispensava. Trouxeram o afamado doce que era mesmo muito bem servido. Meu filho serviu-se à vontade, girando a grande taça e atacando o “monarca”' por todos os lados, não conseguindo liquidar com o nobre doce, acabou desistindo. Eu o observava enquanto saboreava uma cerveja. Comentei o episódio de maneira jocosa. O guri repugnou. Desse dia em diante, nunca mais pediu aquela sobremesa, mesmo que fosse servida em elegantes recipientes de cristal.
De uma feita, estávamos almoçando em Pelotas e alguma coisa nos fez sentir saudade de nossa "Santa Maria da Boca do Monte". Convidei-os de brincadeira para irmos ver nossa gente. O menino se entusiasmou. Mesmo com os protestos de minha esposa que alegava não estarmos preparados para viagem, partimos assim mesmo. Lá compramos alguma roupa de muda e material de higiene. No outro dia retornamos comentando nossa intempestiva e improvisada viagem. Por seu lado Pelotas ainda conserva pujante o seu parque industrial alimentício. Como centro doceiro desponta entre os mais importantes da América do sul, refletido na FENADOCE, evento de ocorrência anual e prestígio internacional. Conta com vários museus, dois teatros de renome nacional como o Sete de Abril e o Guarani; e uma das mais antigas e prestigiosas Escolas Técnicas, o CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica. Nesta Instituição, quando ainda era chamada de ETFPEL, estudou e graduou-se em Eletrônica meu único filho. Hoje esse conglomerado ganhou status de universidade, contando com vários cursos técnicos e de especialização.
Outra instituição renomada é o CAVG, Centro Agrotécnico Visconde da Graça. A instituição está orientada para a formação de técnicos agropecuários e explica o fato de a cidade ter desenvolvido apurada vocação para centro industrial alimentício. Outras entidades universitárias são a UFPEL(Universidade Federal de Pelotas),com os cursos de Agronomia e de Ciências Jurídicas entre os mais antigos do Brasil. A moderna Faculdades Atlântico Sul de Pelotas, e a prestigiada UCPEL( Universidade Católica de Pelotas). Nesta, nos anos 1978/79, o Rapa de Tacho andou por dois anos tentando realizar o sonho maior de se formar médico. Porém aturdido pelas preocupações de administrar o laboratório clínico, a construção da moradia e assistir aulas de Medicina acabei por interromper o curso, a exemplo do que fizera anos antes, com a Farmácia. A diferença é que desta vez, além de já exercer uma profissão que me tomava a maior parte do tempo, minhas dificuldades eram agravadas pelos altos custos da universidade particular, inflação galopante e o já sensível e crescente atraso nos repasses de pagamentos pelos serviços prestados ao antigo INPS. Teria que optar por interromper a construção da casa ou protelar a formação médica. O ideal foi uma vez mais sacrificado. O prejuízo seria menor para minha família. A conclusão do curso de Medicina ficou para mais adiante, sine dies , quando as condições fossem mais favoráveis. O tempo passou e mostrou-me, pela ocorrência de episódios alheios a nossa vontade, que não mais seria possível atingir aquele objetivo.
Em 1979 um violento vendaval seguido de chuva, arrancou a cobertura do hospital em cujas dependências estava instalado meu laboratório. Ficamos onze dias sem energia elétrica. Perdi reagentes enzimáticos e tive aparelhos avariados. Coloquei alguns aparelhos no seguro. Outras tempestades e novos estragos vieram. Em certo momento a seguradora não mais indenizou os aparelhos elétricos queimados. Em 1983, estávamos nos instalando em dependências adequadas, alugadas, fora do hospital, durante os dias feriados de carnaval, para não prejudicar o serviço. Fomos surpreendidos pela “nossa” primeira enchente do Rio Piratini. Salvamos aparelhos e reagentes. De alguns móveis, de madeira laminada em compensado, restaram apenas as lâminas de fórmica. Outros estufaram e não mais tinham utilidade. Os divisórios empenaram. Estava inutilizado o local onde seria inaugurado o Laboratório Coelho, logo após o carnaval. Recolhemos o que ainda nos restou para dentro do hospital e aí permanecemos até 1992 quando nova enchente do “muy amigo Rio Piratini” nos obrigou a repensar e dar um basta à atividade de análises clínicas. Aproveitei a oportunidade fiz um balanço no meu tempo de serviço e pedi o benefício da aposentadoria pelo INPS. Transferi o Laboratório para um colega recém-formado e começamos a pensar em nos reunir ao nosso herdeiro. Nessa época nosso filho se encontrava, já há alguns anos, de volta a sua terra natal, a querida, culta e “muy caliente” Santa Maria. Retornara para prestar o serviço militar na base aérea daquela metrópole regional Coração do Rio Grande. Cumprido seu tempo regulamentar de convocado, e não desejoso de continuar, recebeu baixa das fileiras militares e começou seus estudos universitários. Imediatamente engajou-se na área da comunicação social. Havia se engraçado com a “latinha” antes de seguir para o quartel, durante rápida experiência numa rádio FM de Rio Grande. Agora em Santa Maria, decidira seguir o pedregoso caminho das ciências sociais. Em l990 estreou como repórter na RBS TV daquela cidade. Concomitantemente trataria de tocar em frente o curso de jornalismo na faculdade de comunicação da UFSM. Curso esse que viria a concluir alguns anos depois na cidade maravilhosa, como é conhecida a ex-antiga capital imperial brasileira.
Com a decisão de nosso filho, em transferir-se para o Rio de Janeiro, esfriou nossa intenção de retornar ao coração do estado, onde continuamos a visitar regularmente nossos parentes e amigos, enquanto existiram. Hoje ainda nos restam alguns familiares por lá. Os “troncos velhos” nos deixaram na saudade. A maioria das irmãs e irmãos, cunhados e sobrinhos também passaram para outro nível de existência. Alguns se transferiram para outras cidades ou estados. Dos amigos de infância e de mocidade, muitos também nos deixaram rumo ao “oriente eterno”. Sempre que possível procuro rever meus parentes e amigos, não me importando se estão mais pobres ou mais ricos. Contanto que estejam saudáveis e nos recebam, ficamos felizes e gratos ao Onipotente Criador. Temos netos, mas esses vivem com suas mães e como noras não são parentes carnais, raramente costumam procurar os avós paternos de seus filhos. Resta-nos aguardar que fiquem adultos e possam agir consoante o livre arbítrio de cada um.

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