Depois de vários anos, finalmente a possibilidade de responsabilidade técnica por drogaria tinha se confirmado. Assumi a RT da farmácia interna da Santa Casa, cuja remuneração eu "trocava" pelo aluguel da área física ocupada pelo meu laboratório, incluindo despesas de água, luz e telefone. Eu também respondia por uma drogaria particular. O proprietário desta não sendo muito pontual comigo e também não trabalhando muito de acordo com as normas sanitárias, provocou meu pedido de demissão, para seu desagrado. Mais tarde quando a abertura política começou a engatinhar e de carona vinham parcerias a serem alinhavadas, eu e o proprietário de tal farmácia nos reencontramos num jantar com personalidades políticas locais e da região. Entre elas o delegado Roger Cavichiolli que estava sendo transferido de nossa cidade. Após os discursos, já ao dispersar, em tom conciliador resolvi dirigir a palavra ao comerciante de remédios. Ele rebateu com muitas ofensas e desaforos. Imprudente, aceitei a provocação e discutimos. No clímax da discussão, sem outro argumento, sacou o revólver e fez dois disparos contra mim. Retirei-me rapidamente, descendo as escadas do Restaurante Tio Willy, ganhando a rua, entrei no meu carro e fui pra casa. Lá me examinei e constatei ter sido atingido por um dos disparos. Relatei rapidamente o acontecido a minha esposa. Nosso filho estudava na ETFPEL em Pelotas, e ainda não havia chegado no ônibus noturno dos estudantes. Telefonei ao meu amigo ex-mestre boticário, que era presidente de partido político. Este quando chegou em minha casa, já trazia consigo um amigo, Júlio Cezar, que presenciara o incidente.
Ambos me levaram para ser socorrido na Santa Casa de Pelotas. Uma semana depois, com vários centímetros de intestino a menos, e com o corpo mais delgado retornei pra minha família e casa. Em seguida voltei ao trabalho, normalmente. De repente nova hospitalização. Desta vez o saudoso médico, Dr Guilhermo Reateguy Navarro providenciou meu internamento no mesmo nosocômio, para corrigir um processo de aderência intestinal que me havia acometido no pós-operatório, possivelmente por eu não ter observado o devido tempo de convalescença após a primeira cirurgia. Nessa oportunidade vivenciei uma situação que viria a marcar minha consciência transcendental, testemunhado creio que, inconscientemente ainda, por meu filho. O pós-operatório dessa cirurgia corretiva deixar-me-ia com muito mal-estar, ainda no hospital. Senti fortes reações adversas da anestesia e dos antibióticos e analgésicos. Passei a ter intolerância digestiva com intensas crises de vômitos. Estas me deixavam literalmente prostrado. Numa dessas crises meu filho, revezava-se com sua mãe, postado ao meu lado. Ficava comigo até chegar o momento de ir pra escola. Em dado momento, depois da crise emética, perdi a noção de consciência. Quando a recobrei comecei a relatar a ele cenas que eu pretendia ter vivenciado durante um suposto e breve passeio no corredor hospitalar que dava acesso a meu quarto. Meu filho deve lembrar-se de ter me dito: ”...mas pai, tu não saiu daí dessa cama!".Constrangido pela suposta “rateada”, calei. Mas até hoje está presente em algum nível de minha memória que naquela oportunidade eu deparei no corredor com uma tabuleta suspensa, na qual estava escrito "Ala São Francisco". Minha consciência proíbe-me de negar que sou devoto desse Santo. Quanto a experiência em si, aqueles que porventura me honram lendo estas memórias, acolham como melhor sua razão lhes possa aprouver. Espero não estar proferindo uma homérica asneira ao confessar que não me surpreenderia se aquela fosse uma manifestação de percepção extra-sensorial. Por outro lado seria muito honroso e dignificante saber que sou um protegido de São Francisco, independente do sobrenome do santo protetor. Fato é que dias depois recebi alta, observei um período de convalescença “perna-de-anão” e voltei ao trabalho. São Francisco terá me recomendado ao Onipotente Criador que já me concede um quarto de século adicional. Possivelmente para que eu possa resgatar minhas pendências pretéritas.
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