sábado, 14 de novembro de 2009
O 'ESFREGAÇO'
A maioria dos integrantes da turma de formandos do Curso de Farmácia-Bioquímica da UFSM no ano de 1975, era moças. Já naquela época a proporção era de três moças para cada um rapaz, aproximadamente. Duas ou três delas eram casadas. Entre os rapazes o número de 'comprometidos' era o dobro. Um único caso de casamento entre colegas. Haviam se 'amarrado' antes de iniciar o curso. A faculdade de farmácia era famosa por ser das mais procuradas pelas 'beldades' inteligentes. Uma delas tinha concorrido ao título de Mais Bela Prenda, antes de entrar na faculdade. Outra, uma dessas morenas tipo Claudia Cardinale, de nariz 'empinado', diziam ser filha do Cônsul Uruguaio. Transferiu-se no final do terceiro ano para outra Universidade. Não me foi fácil o entrosamento. Eu era vestibulando de 1966, ninguém me conhecia. Nas aulas práticas, alguns me confundiam com o professor, pois além da roupa 'branca', eu era flagrantemente mais 'usado' que os demais colegas de curso. Despacito me fui soltando e entreverando no meio da garotada. Nos primeiros dias e semanas ocorriam 'trotes' a que não me submeti, alegando já ter passado pelos mesmos. Também minha situação de 'engessado' emprestava-me alguma imunidade frente a possíveis brincadeiras. Passado algum tempo, a parceria e o coleguismo começaram a dar lugar para brincadeiras. Ganhei o apelido de 'véio'. Não me incomodei, pois em relação a maioria eu era mais 'idoso' mesmo. Além do que esse tratamento me 'aproximava' e tornava mais íntimo da turma. Na verdade eu podia ser 'véio' mas não 'estava morto', ainda. Dei mostras disso numa das primeira aulas de anatomia expositiva. Uma menina um tanto 'ingênua' ao deparar com o tronco e membros de um cadáver formolizado , exposto para análise, na gôndola, exclamou com grande surpresa: credo!, isso é gente'?. Ao que, incontinenti, respondi que era de um Burro, a julgar pela 'documentação'. Gozação generalizada com a colega e cuidados redobrados com o véio, doravante. A moça se formou, fez mestrado e integra o quadro de professores da UFSM. E o pangaré véio aqui continua indócil, atirando o freio na cancha reta da existência. Meu humor azedava após alguma avaliação em que minha nota revelava aproveitamento comprometedor. Há que recordar o fato de , a cada dois ou três meses, eu ir a Porto Alegre, para revisão médica, nas minhas fraturas. Enquanto não recebi alta, meu humor era péssimo. Verdade é que nunca foi dos melhores. Ainda hoje, flutua com as adversidades. Outros colegas eram possuidores de estigmas também. Um por timidez, não cumprimentava ninguém. Parecia sempre 'aborrecido'. Outro 'gozador', não perdoava ninguém diante do infortúnio. Havia um que vendia tudo que era quinquilharia com as cores da farmácia. De quando em vez um ou outro era 'mordido' em alguns cobres por um colega mui esperto que alegava estar com o 'caixa' vazio,devido a doença ou morte de um familiar. Até eu entrei nessa. Jamais fui reembolsado no empréstimo tomado. E assim se foram delineando muitas imagens de colegas que passaram a ser conhecidos por seus temperamentos ou comportamentos em relação aos demais. Lá pelo fim do quarto semestre, com a turma já bem 'conhecida' e entrosada, passou a circular o mensário do Centro Acadêmico da Farmácia. O 'Esfregaço', elaborado por alunos de todas as séries, 'contemplava' , aleatoriamente, algum felizardo com o 'pretencioso' título de O COLEGA IDEAL. Esse colega deveria reunir as qualidades de uns e de outros. Contribui com a 'paciência' e o 'humor'. A 'honestidade' era contribuição do 'tomador de empréstimos' e do 'vendedor' de 'quinquilharias'. A 'ingenuidade' da colega da aula de anatomia, deveria marcar o espírito do colega ideal. O ''hálito'' do 'boca-de-anjo' referia-se a um colega de nossa turma que era chegado na 'velho-barreiro' e não se preocupava muito com o 'bafo' que lançava nos outros. A 'pontualidade' de uma colega que chegava sempre em meio da aula, era uma 'qualidade' requisitada e atribuída ao colega ideal, que assim deveria se constituir em um exemplo a não ser seguido. Já referi que após livrar-me do gesso, comecei a recuperar o aproveitamento e passei a eliminar algumas matérias. Várias vezes convidei um colega, casado também, para praticarmos fazendo cirurgia em ratos e sapos, animais de laboratório, comumente empregados em pesquisas científicas e em provas diagnósticas clínicas. Ganhamos experiência e segurança. Dito colega tinha muito boa memória e inteligência. Era um pouco preguiçoso. Certa vez fomos para uma prova de Patologia geral(estudo das doenças), através da análise e interpretação de lâminas contendo esfregaços preparados para determinado diagnóstico. Eu estava 'afiado', tinha repassado trinta e tantas lâminas com esfregaço. Ele disse-me que contava com meu auxílio, pois estava muito mal. Combinamos que ele me descreveria o que via nos esfregaços e eu lhe daria o 'diagnóstico' dos mesmos. Assim procedemos. Terminada a prova 'minutada', fomos trocar parecer. Disse-me que não aceitara meu parecer por julgá-lo errado. No dia seguinte fomos juntos ver o resultado de nossa prova. O professor, gozador, disse-me 'ter tido sorte', escapado com 8,5. Quanto ao meu colega, saíra 'arrodeando' para a prova final.Aconteceu de não aceitar meu diagnóstico. E o dele estava em desacordo com as estruturas morfológicas acusadas no esfregaço, que era de outro órgão não reconhecido por ele. Na prova final conseguiu a nota que precisava. Depois, quando comemorávamos, prometeu-me que nunca mais faria qualquer exame. E cumpriu a promessa. Vencida a preguiça o resto veio por via de conseqüência. Nos formamos e festejamos juntos. Nossas famílias eram amigas. Bom colega. Saudoso amigo e companheiro de churrasco.
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Um comentário:
ehehehe.... especial!!! não va esquecer do espermatozóide de bigode.
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