segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

NADA CAI DO CÉU

Os dias que se sucederam foram de intensa atividade para minha pequena família. Inicialmente tratamos de acomodar nossos móveis e demais pertences, distribuindo-os de acordo com o espaço físico que a casa nos oferecia. Espaço esse que nos deixava muito a desejar. Guardávamos ainda presente na memória a estrutura de nosso chalé e de como o havíamos redimensionado quando o ocupáramos, a alguns anos passados. Esta moradia por não ser nossa propriedade e ser construída toda em alvenaria não nos deixava muitas alternativas. Com algumas modificações permitidas pelos móveis conseguimos arranjá-los da maneira que nos pareceu mais agradável e conveniente. O 'fuscão' fora contemplado com um acanhado abrigo, a guisa de garagem, só pra ele. Passo seguinte seria montar o Laboratório. Área física já fora providenciada. Funcionaria nas dependências da Santa Casa. Mais precisamente ao lado do Serviço de Pronto Socorro que também estava sendo estruturado naqueles dias. Em uma de minhas viagens antes da mudança, eu contratara a reforma e pintura das peças que seriam adaptadas ao uso do Serviço Laboratorial. Estava tudo pronto e assim tratamos de instalar os equipamentos e mobiliário. Este também fora providenciado previamente . Após alguns testes para verificação do funcionamento dos aparelhos e reagentes e, de posse da Licença Inicial para funcionamento, concedido pela Secretaria Municipal de Saúde local, decidimos que era chegada a ora de iniciarmos. Minha esposa me auxiliou durante a maior parte do tempo, desde os primeiros dias. Anos mais tarde também nosso menino nos auxiliaria escrevendo o resultado dos exames. Para isso fizera um curso e tornara-se exímio datilógrafo. Gradativamente a demanda pelo serviço começou a aumentar. Não aconteceu imediatamente, como eu esperava. Não me haviam revelado que um Laboratório Clínico da vizinha cidade de Pelotas mantinha um Posto de Coleta no interior da Santa Casa. Como a coleta era feita duas vezes por semana e os resultados só eram entregues nessas oportunidades decidi explorar o preenchimento dos espaços representados pelos dias em que aquele Laboratório não fazia coleta. Explorei também a possibilidade de atendimento de Urgência e à domicílio, com os resultados sendo entregues no menor espaço de tempo possível. Com esse atendimento diferenciado passei a constituir referência. Algum tempo depois o Laboratório de Pelotas desativou o posto de coleta. A grande maioria dos clientes era associada do INSS (INPS, naqueles dias do Governo Militar) que representava a maior parcela da demanda, e aditivamente, ainda pagavam razoavelmente pelos serviços prestados. Em poucos anos a decantada 're-democratização' tornaria inviável o convênio. De quando em vez surgia um serviço particular, na forma de "chek-up". Não era como esperávamos. Mas era sempre um diferencial e constituía um incentivo a continuar batalhando o credenciamento para atender o Instituto. Inexperiente na administração da relação com convênios tratei de oferecer a todos os pacientes a mesma presteza no atendimento. Em pouco tempo pacientes associados da Previdência Social queriam as mesmas regalias que os particulares. Tive que admitir moças que depois de treinadas me auxiliavam no laboratório. Surgiu a folha-de-pagamentos de empregados e, com ela todos os encargos sociais previstos em lei. Nos primeiros tempos, atendíamos os associados do INPS através da Santa Casa que embora não tendo o seu próprio, contava com o meu Laboratório. Nos completávamos. Quando o Instituto pagava a conta hospitalar a Santa Casa repassava-me os valores referentes aos exames. Mas ainda estava faltando eu atender os associados do INPS que não eram hospitalizados. Para isso providenciei a montagem do processo de petição visando o Credenciamento Pleno, para eu poder atender pacientes ambulatorias(externos) e hospitalizados. Tudo pronto, de conformidade com as normas de exigência. Era só aguardar, prometiam. Ao cabo de longo período de espera concluí que além das exigências já satisfeitas me estava faltando "Q.I.". Nessa época eu andava ainda mais impaciente. Tinha prestações do carro e da aparelhagem do laboratório a pagar. Nosso faturamento não cobria despesas profissionais e particulares. Num fim-de-semana fui com minha esposa e filho rever 'nossos velhos' em Santa Maria. De lá fui sozinho a cidade de Alpestre, nas barrancas do 'Alto Uruguai' onde, segundo um anúncio de jornal, estavam necessitando de um Laboratório. Localidade recém emancipada, pequena população, hospital pequeno e nas mesmas condições de onde eu me encontrava. Um único médico era dono de tudo. Conversamos e fiquei de responder brevemente. Retornei para Pedro Osório. Na passagem por Santa Maria apanhei minha esposa e filho. Em conversa com meu amigo e ex-mestre boticário que tornara-se presidente do partido político PDS resultante e sucessor da antiga ARENA, coloquei-o ao corrente dos fatos. Vaticinei que estava prestes a deixar sua cidade devido a demora no meu credenciamento. Reprovou-me por nunca lhe ter informado tal fato e prometeu-me providências. Demorou algum tempo. Nesse interim decidimos vender nosso chalé em Santa Maria. Com o dinheiro apurado pagamos todas as dívidas e resgatamos com desconto as prestações a vencer. O restante foi empregado na compra de um terreno em que mais tarde começamos a construir nossa atual casa em Pedro Osório. Algum tempo depois veio o tão esperado e batalhado 'credenciamento' para atender os pacientes do então INPS, mais tarde INAMPS, IAPAS e, atualmente, SUS. Este a maior fraude já cometida contra os associados e contribuintes, que de segurados nada têm. Pois qualquer desocupado, ou marginal criminoso quando, por ventura dele, for encarcerado , desfruta de mordomias e direitos não conferidos àqueles contribuintes que desde criança vêm sustentando e investindo suor e sangue, compulsoriamente, neste truculento, viciado e corrompido sistema previdenciário brasileiro. Vale recordar ao caríssimo e virtual leitor que um único detento custa aos cofres públicos nada menos do que três vezes o valor do maior salário mínimo de nosso País. Isto em valores 'estimados' pelas fontes que estão alinhadas com o governo. Convém lembrarmos também, as vezes que a mídia veicula informações sobre as inúmeras transferências do famoso mega traficante 'Fernandinho Beira-mar' cujo aparato nos é apresentado como mais complexo e oneroso do que a segurança do próprio Presidente da República, que já não é nada módica, se comparado com a dos mandatários do primeiro mundo. Isso tudo, e muitíssimo mais, tem um custo que o contribuinte não tem condições de calcular, e menos ainda de fiscalizar. Se avive respeitável leitor!. Amanhã você certamente vai estar lembrando destas humildes elucubrações. Com mais essa rápida, mas que julgo salutar divagação, retorno ao cerne de minhas remembranças. Àquela altura já plenamente credenciado pelo Instituo desisti da transferência para o norte de nosso Estado. Aconteceu de, enfim, verificarem que eu era detentor de um poderoso 'Q.I'. Faltara-me oportunidade de manifestá-lo. Quando conversei com meu amigo político, presidente de partido, eu na realidade estava a revelar meu 'Quem Indique'. Fiquei muito agradecido ao meu eterno amigo, ex-mestre boticário e 'Q.I.' profissional. Quem iria imaginar que esse dinâmico, atilado e humano profissional, para o qual "nada caía do céu", além de exemplar chefe de família, mais uma vez influiria no destino do 'já um tanto maduro' rapa-de-taxo. Com tantos dígrafos inseridos no nome, certamente jamais será esquecido o seu WILMAR AFFONSO GARRES. Que a Suprema Inteligência Universal o ilumine onde se encontrar. Nos deixou. Permanece sua querida família constituída pela esposa, filhas, netos e genros com quem mantemos estreitos laços de amizade e regular convívio como se minha família realmente fosse.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DEBAIXO DE MAU TEMPO

A Sorte fora lançada. Quero me fazer entender, com essa sentença, que a decisão de nos transferir fora tomada. Durante vários meses eu e minha esposa nos ocupáramos por reiteradas vezes do assunto. Analisamos sob todos os aspectos possíveis o futuro na Zona Sul de nosso 'Rio grande de São Pedro'. Creio que a proximidade com as cidades de Pelotas conhecida como "Princesa do Sul", e a hospitaleira Rio Grande, carinhosamente apelidada de "Noiva-do-Mar", pesaram muito em nossa decisão. Duas das principais cidades gaúchas que ainda hoje se destacam no cenário sul-rio-grandense. Com o decorrer dos anos fomos descobrindo a causa dessas duas belas e históricas cidades exercerem tanto fascínio em todos quantos têm a oportunidade de as visitar. Dois Centros econômicos, culturais, políticos e de importância estratégica para nosso Estado e País. A proximidade com essas duas cidades e outras menores, mas também detentoras de atrativos históricos-culturais como Jaguarão, Piratini , Bagé ,Arroio Grande e outras, terá contribuído sobremaneira para nos fixarmos nessa região. Mais adiante procurarei detalhar melhor suas particularidades. Não foi nada fácil deixar nossa bela "Princesa Universitária", como era então conhecida a cidade de Santa Maria. Em muitas oportunidades indaguei para minha consciência se teria eu tomado a decisão acertada. Em silêncio ela respondia-me que só com o tempo eu saberia em que empreitada havia envolvido minha pequena família. Em dado momento decidimos que seria no dia nove de janeiro de 1976, ou não seria mais. Abarrotamos um caminhão especializado em transporte de mudanças com nossos pertences. Além de nossos móveis, ainda muito bem conservados, com apenas oito anos de uso, juntamos alguns remanescentes equipamentos e reagentes, destinados ao Laboratório Clínico. A maior parte dos aparelhos de análises eu já havia transportado no nosso 'fuscão' em viagens que realizáramos anteriormente. Fora um cuidado que tomei visando proteger os aparelhos, pois no caminhão poderiam sofrer avarias devido os solavancos nas estradas irregulares, em obras, naqueles dias. Alguns trechos estavam sendo pavimentados, outros ainda eram "carreteiras" históricas. O caminhão foi carregado no dia anterior e passou a noite no depósito da criteriosa transportadora Bortoluzzi. Saiu pela madrugada rumando para o sul. Naquela noite dormimos na casa dos pais de minha esposa. Assim poderíamos nos despedir dos amados sogros, pais e avós. Estes 'desconcertados' com nossa partida, especialmente do 'neto' que ajudaram a criar até os sete aninhos. Foi 'dura' mas teria que acontecer cedo ou tarde. Ainda hoje, quando presenciamos nosso amado filho tomar ônibus ou avião, em busca de seu destino, eu não consigo deixar de recordar 'nossos velhos' administrando corajosamente o fluído lacrimal que os traía no momento dos beijos e abraços de despedida. A exemplo deles enfrento o mesmo ritual mas não tenho a mesma compostura. Creio tratar-se de uma espécie de 'assim caminha a humanidade' atrelada por laços de amor, amizade e respeito. A emoção teria cedido lugar ao cansaço físico que acabou por nos nocautear e adormecemos. Na manhã seguinte, já íamos longe quando o aurorescer do novo dia veio anunciar que o astro-rei continuaria a iluminar nossos caminhos como sempre fizera. Para trás ficaram nossos amores e amigos. Ficou nossa 'calorosa' Santa Maria que muito amamos. Ficou também nosso simpático e acolhedor chalé que nos protegeu e uniu por cinco belos anos. Fora alugado. Mais tarde seria vendido para resgatar outros compromissos e assegurar a construção de nossa atual moradia em Pedro Osório. Na estrada fizemos o desjejum com biscoitos e café preto para ajudar a afugentar o sono. Viajávamos em compreensivo silêncio. Era como se tivéssemos praticado algo abominável. Pelo menos eu assim me sentia, muito embora uma espécie de voz interior me consolasse dizendo estar eu fazendo o que era possível. Mas como me perdoar por arrancar o menino de sua amada avó. Ele já atinava pra muita coisa. A Inteligência Universal dotou-o de um Espírito muito evoluído que mercê sua sensibilidade já fazia perceber as situações sem maiores traumas. Depois de algumas horas na estrada, alcançamos o caminhão com nossa mudança. Estava tudo bem. Tomamos a frente e fomos almoçar um 'fiambre' de frango enfarofado nas proximidades da cidade de Canguçu. Nessa época ainda não existiam restaurantes de beira-de-estrada, como atualmente. A construção dessa Rodovia Federal foi mais um investimento feito pelo Governo Militar com a visão de satisfazer a necessidade do escoamento da produção desde a "região celeiro" até o porto marítimo da "Noiva-do-Mar". Porto esse que estava recebendo investimentos na reforma e melhoramentos, para satisfazer a crescente e, ainda promissora exportação que se verificaria com o programa de incentivo a agricultura, conhecido pelo nome de 'PLANTE QUE O JOÃO GARANTE', já no último quartel de governo do regime militar. A certa altura as nuvens encubriram o sol. Logo adiante começou a chover. Novo contato com a transportadora que novamente acusou estar tudo em ordem. Combinamos que o próximo encontro seria já na Cidade pra onde nos destinávamos. Tinham o endereço. Não tinham dúvidas. Tocamos na frente. Chegamos em Pedro Osório na metade da tarde, sob chuva copiosa. Fomos direto para a casa que doravante seria nossa moradia e da qual tínhamos a chave. Era construída em alvenaria com acabamento em reboco cinza- escuro, com bastante simplicidade. Prédio antigo de 'quatro águas' com uma aba na frente. Muro também antigo e bastante surrado pelas intempéries. A rua da frente não era calçada. Com a chuvarada acabou por surgir um pequeno riacho onde em condições normais seria uma sarjeta. Minha esposa e filho 'cavaram', num bar das proximidades, uma garrafa de refrigerante que consumimos com os biscoitos restantes. Enquanto aguardávamos a transportadora, resolvemos explorar nossa nova moradia. Atendendo a minha orientação um pintor 'feito a machado' andou dando uma lambuzada com tinta branca em todo o interior da casa. Estava assim,'reformada' para os novos moradores. Naqueles dias não havia disponibilidade de casas de aluguel pois a demanda era muito grande devido aos funcionários das construtoras e suas famílias ocuparem todas as disponíveis. Conseguimos aquela casa, uma das menos ruins, por influência do meu amigo e ex-mestre boticário. Estávamos a observar a 'pintura' interna quando vimos um 'cordão' liquido de coloração marrom-escuro escorrer pela parede branca. A água da chuva guasqueada penetrara no aposento através de uma rachadura na junção das paredes. Causou-nos uma impressão tão desagradável que abraçado a minha esposa e filho nos apertamos e choramos os três. Lembramos do chalé que deixáramos em Santa Maria. Era mais humilde na construção, mas não tinha goteira. Não demorou muito e a transportadora chegou. Com chuva e a forte correnteza na sarjeta, não era possível descarregar. A solução foi atravessar uma guarda do caminhão sobre a correnteza e assim, à guisa de ponte, foram transferindo os nossos pertences para dentro da casa. Nenhum estrago de importância foi registrado. A transportadora tinha sido cuidadosa, em que pese as circunstâncias do transporte. Somente alguns arranhões foram verificados no roupeiro. No restante estava tudo a contento. Acertamos e despedimo-nos dos transportadores e começamos a viver nossa primeira noite na cidade, DEBAIXO DE MAU TEMPO. Jantamos, ainda do 'teimoso' fiambre de frango enfarofado regado com goles de refrigerante. Deitamos e dormimos o sono dos inocentes. Estava começando mais uma etapa na vida do 'rapa-do-taxo' e sua aguerrida família.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A TRANSFERÊNCIA

Uma vez mais me defrontaria com circunstâncias que exigiriam nova atitude visando o tão almejado sucesso e a realização pessoal, perseguidos desde a idade de dez anos incompletos, quando fui levado para a cidade de Cacequi,onde comecei, ainda cedo, o aprendizado do então ofício de Boticário. Foram longos anos de pertinazes esforços e confusos sonhos, dos quais algumas vezes como que 'despertava' banhado em suor e lágrimas. Finalmente, vinte anos após, estava eu preparado para exercer a profissão de "Farmacêutico", modalidade Bioquímico, na área de Análises Clínicas. De 'quebra', ainda poderia ser 'Responsável-técnico' por uma ou duas farmácias ou drogarias, enquanto não fosse possível ter a minha própria. Até que essa não era a prioridade maior, como veremos adiante. Tal atitude envolvia a "mudança" com minha família; na verdade era uma TRANSFERÊNCIA que deveria ser efetivada o mais breve possível devido a premente necessidade de Laboratório de Análises Clínicas na pequena cidade de Pedro Osório. Tal como a maioria das situações que envolvem tomada de decisão e atitude, esta mudança também seria exigente. Como enfrentar a idéia de viver longe de nossos amados familiares que tanto nos foram de valia. Nossas Mães,Sogras,Sogro, irmãos,cunhados, sobrinhos e amigos com quem convivêramos intensamente durante cerca de dez belos anos, e que assistiram a quase 'demolição' do "rapa-de-taxo". Esses mesmos amados, especialmente, a sogra que era MAIS UMA MÃE que eu ganhei ao casar com a filha dela. E os amigos que acompanhavam meus e,agora,nossos passos, pois minha esposa e nosso filho estavam sempre juntos comigo e com os 'troncos velhos'. Não faltava um para questionar o motivo de irmos embora para um local tão distante. Como responder ou argumentar para esses amores que nos acolhiam em seu convívio e que tanto nos apoiaram durante o período em que estive sendo 'remendado' em hospitais, e mesmo depois da longa convalescença, os esforços com a faculdade. Como justificar a decisão de deixar a Cidade Universitária em favor de um pequeno ex-centro ferroviário que sequer conhecíamos direito. Certamente que fomos duas ou três vezes a Pedro Osório, antes da transferência. Mas daí a conhecer o lugar correspondia a uma diferença comparável ao deserto do Saara. A família de minha esposa e sua numerosa parentela eram e são muito conhecidos e relacionados na bela Santa Maria. Eu contava só com a mãe e alguns irmãos na localidade. Em compensação tinha alguns amigos e ex-professores que poderiam ser acionados para tentar 'cavar' uma colocação profissional. Nenhum desses fatores contribuiu. Nem mesmo ocorreu-me de acioná-los. O fato de estar formado e preparado para exercer uma Profissão Liberal embriagava-me de tal modo que não permitia sequer imaginar um mínimo risco de insucesso. Afinal iria desempenhar a profissão numa comunidade onde havia necessidade dela. Convidado por um dos maiorais do local, amigo de longa data. Pelo que pudera observar e me fora 'projetado', em poucos anos eu estaria com o 'pé-de-meia' feito e poderia finalmente me dedicar ao estudo da Medicina, um velho sonho, há muito acalentado. Hoje, já 'surrado' pelas vicissitudes da vida e as voltas e contra-voltas que executamos, ponho-me a cismar e chego mesmo a questionar a decisão de ter abandonado tantos valores humanos e até mesmo ter sacrificado nosso 'belo chalé' de paradisíaco entorno, para abraçar um porvir que ao fim e ao cabo não nos levou muito além do que éramos na década de 60/70. Não aconteceu de ter eu 'dado com os burros n'água'. Longe disso. Não me posso queixar da comunidade que nos acolheu. Ela tem a sua cultura e sua consciência. Tem suas particularidades, assim como muitas outras. O Profissional sou eu. As decisões profissionais, certas ou equivocadas teriam e terão que ser tomadas por mim. As conseqüências, agradáveis ou não, foram e serão assimiladas por minha pequena mas aguerrida família. Aproximadamente um mês após ter me graduado em farmácia, iniciei o exercício profissional. Comparado com a maioria de meus colegas, eu já era "corôa" quando iniciei. Na plenitude da 'idade de CRISTO' eu estava iniciando a prática de uma das profissões mais antigas do orbe. Com as dificuldades, próprias da maioria dos começos, esse não seria diferente. Embora já vaqueano de outros tempos e outras lides, não estava imune às adversidades que se me iriam apresentar nos primórdios de minha nova profissão, na qual vislumbrei alguns traços de sacerdócio, ao cabo de longos anos de exercício. Foi por essa época que comecei a adquirir a consciência da dificuldade em viver e trabalhar honestamente em um País no qual a noção de moralidade, ética e respeito aos mais sagrados direitos do cidadão são irremediável e inapelavelmente desconsiderados. Devia ser a 'Idade da Razão' se manifestando no jovem que começava a colher os primeiros frutos como Profissional Liberal, depois de enfrentar alguma turbulência de ordem política, para a qual não havia sido adestrado. Materialismo à parte, o fato de termos deixado nossa simpática e acolhedora 'vivenda' em Santa Maria foi uma prova de resistência para o futuro do incipiente candidato a espiritualização nos anos vindouros. Para consolidar nossa permanência na localidade e resgatar as prestações pendentes contraídas com a aquisição dos equipamentos e reagentes laboratoriais, tornara-se-nos inevitável vender nosso chalé. As despesas de regularização do estabelecimento junto aos órgãos públicos municipal, estadual e federal eram e, ainda hoje, são consideráveis. Além do dispêndio em paciência, com a 'burrocracia', que nunca foi meu forte. Ah! e ainda devia algumas parcelas referentes à compra de um 'fuscão', que embora com vários anos de uso, estava em boas condições, em que pese a desagradável cor vermelha. Com o recurso apurado na venda da casa pagamos todas as pendências e ainda restou um pouco que foi parar na poupança. Passei a trabalhar um tanto mais aliviado. Era como se meu espírito tivesse sido liberado de um estado de asfixia. Só quem passou por tal situação pode compreender. A exemplo de outras atividades intelectuais, também no estudo da doutrina Espírita tenho evoluído a passos de tartaruga. Acredito, hoje, estar um tanto esclarecido a ponto de 'perceber' através dessa Ciência as respostas para muitas questões com que tenho me defrontado ao longo da existência. É um ramo fascinante de conhecimento e imprescindível para a formação e aperfeiçoamento daquele ser humano que se pretenda enquadrar entre os "criados à imagem e semelhança Divina". Não creio possuir o dom disciplinado, imperturbável e infatigável do perscrutador de supostas verdades reveladas. Mas certamente gastarei o restante de meus dias buscando, regularmente na ciência e Doutrina espíritas, informações que me possam significar a versão mais aproximada daquilo que minha consciência possa perceber como verdade.

sábado, 5 de dezembro de 2009

O DESAFIO

É possível que muitos professores, assim como vários colegas do Curso de Farmácia,jamais tenham percebido a assimetria entre meus braços, resultante do acidente automobilístico. Fato é que meu braço esquerdo resultou cerca de uma polegada mais curto que o destro. Quanto a funcionalidade era como se um complementasse o outro. A FISIOTERAPIA executada por longo tempo, operou maravilhas, mas não foi capaz de evitar prejuízos funcionais. Esteticamente nunca causou-me maiores aborrecimentos. Possivelmente devido a eu não ser suficientemente vaidoso. Nas aulas práticas tive sempre por parceiros colegas que não mediam esforços para que eu me sentisse à vontade. Destarte eu alternava minha participação como 'municiador' de materiais e reagentes necessários às práticas; em outras oportunidades eu tomava notas dos procedimentos e observações para a posterior elaboração do relatório, em conjunto com os demais do grupo. Entre os colegas com quem trabalhei em equipe ainda recordo dos amigos Dácio Moraes, Agueda Maria Brum, Alcides Cunha, Arno Bohrer, Celeste Marina Garcia, Ciro Ropke, Débora Cabral, Dilma Caetano, Elaine Fernandes, Elemar Rameyer, Eloá Diehl e mais alguns que a memória sonega, mas que inegável e decidamente contribuíram para que meu aproveitamento fosse considerado satisfatório e me permitisse colar grau junto com eles. A todos sou muito grato, e experimento grande alegria quando nos reencontramos ou quando 'virtualmente' nos comunicamos via internete. Também aos antigos ex-colegas propagandistas-vendedores devo grande parcela de apoio. Poucos reencontrei depois de formado. Alguns ainda trabalham, embora aposentados. Aldo Vianna, Jari Machado, Osvaldo Alfaia(já falecido),Roberto Waucher e muitos outros que perdi de vista e memória devido às próprias circuntâncias da existência. Aos farmacistas Osvaldo Santos Cerezer, Sadi R.Silva, Dirceu Nogueira, Pedro Machado e os irmãos farmacistas e farmacêuticos Arioly e Arany Barcelos também devo uma cota de reconhecimento e gratidão. Que a Inteligência Universal a todos conceda Paz, Harmonia e muita Luz, onde quer que se encontrem. Feitas essas tão necessárias e 'salutares reparações e tardias justiças' vou tentar rememorar a situação em que me encontrava logo após a formatura. Primeiramente solicitei perícia médica no I.N.P.S. Atendeu-me o Dr.IVAN MARQUES DA ROCHA, grande amigo e conhecido ainda do Cacequi, onde iniciara como médico-clínico. Informou que embora eu acusasse recuperação satisfatória, era temerário voltar a trabalhar dependente do automóvel.O mais aconselhável era a empresa à qual eu ainda estava vinculado me reciclar e aproveitar em outro setor com menor risco. Outra alternativa era a aposentadoria por INCAPACIDADE FÍSICA. Neste caso eu não mais poderia trabalhar com registro em carteira do M.T.P.S.. Surpreendí-o com a informação que estava formado em Farmácia, e pretendia me estabelecer com Laboratório de Análises Clínicas. Sendo ele também Advogado, argumentou que era um direito meu a aposentadoria, após cinco anos em auxílio-doença. Era muito importante eu ponderar a decisão de não aceitar o carimbo de 'APOSENTADO POR INVALIDEZ' na Carteira de Trabalho. Conhecia-me há muitos anos, desde balconista de drogaria no Cacequi. Depois como propagandista-vendedor. Como Farmacêutico-bioquímico imaginava que eu enfrentaria desafios ainda não avaliados. Era surpreedente e a primeira vez que alguém solicitava cancelamento do benefício, tendo direito a aposentadoria. Concordei que era um desafio que teria de enfrentar, afinal para isso estudara e me preparara. Quanto ao Benefício, serviria para outro. Me fora de importância decisiva naqueles cinco anos. Graças a competência dele e de sua equipe eu pude me reciclar para exercer com dignidade outra profissão. Serei eternamente grato a ele e ao Dr.Isidoro Lima Garcia Filho. Que Deus os ilumine e guie. Liberado do INPS, me apresentei na empresa da qual era empregado. Alegaram que no momento não existia nenhuma vaga a ser preenchida e assim a solução seria a recisão do contrato com a respectiva SAÍDA na carteira profissional do MTPS. A carteira da nova profissão emitida pelo CRF.RS ainda não fora recebida. Desligado da dita empresa, recebi uns restos de direitos trabalhistas atrasados e a autorização pra sacar o Saldo do FGTS. Com esse recurso somado ao valor percebido durante os meses que trabalhara no Hospital Brasilina Terra,em Tupanciretã e mais umas economias de poupança, consegui dar a PARCELA DE ENTRADA no pagamento dos aparelhos, reagentes e equipamentos que iriam estruturar o futuro 'LABORATÓRIO COELHO - ANÁLISES E PESQUISAS CLÍNICAS'. Este seria montado na cidade de Pedro Osório, por decisão influenciada pelo antigo amigo Mestre-boticário, nosso conhecido lá do Cacequi. Quando lhe fui 'levar em mãos' o Convite de Formatura, acabou por me persuadir a instalar-me naquela cidade, então promissora, na década de 70. Mais tarde as sucessivas enchentes do rio piratini modificariam as espectativas, obrigando muitos habitantes a buscar outras cidades. Outro fator responsável pela estagnação do município foi a desativação do transporte ferroviário de passageiros e também o fechamento da DORBRÁS, fábrica de dormentes de concreto, que operava na cidade. Na verdade, eu pensava em ir para o eixo Rio-São Paulo onde o parque industrial farmacêutico era e é cada vez mais desenvolvido. Entretanto depois que meu amigo, conhecedor de minhas potencialidades, acenou com muito boas possibilidades de progresso profissional, repensei e decidi me estabelecer na cidade dele. Pesou na minha decisão também, a opinião de outro amigo, o professor Dr. CLODOMIRO BERTOLDO, farmacêutico, meu orientador no estágio, com o qual discuti o assunto. Este fez-me ver as dificuldades que eu enfrentaria naquela região praticamente desconhecida, com familia e filho pequenos e já acostumados à calma sulina. Antes de efetivar a transferência para Pedro Osório, ainda surgiram outras cidades. Não despertou meu interesse devido a eu estar já comprometido com aquela. Não podia desapontar um tão caro amigo, agora empenhado em dotar com serviços médicos e para-médicos qualificados, para satisfazer a crescente demanda na sua cidade. Esta transformada em 'canteiro-de-obras', onde trabalhavam três das grandes construtoras de estradas, movidas pelos recursos que o governo investia, estrategicamente, naqueles anos da ditadura militar. Tempos em que a liberdade era duramente cerceada. Mas também eram tempos em que não havia(ou não éramos informados devido a mordaça na imprensa) o desrespeito com o cidadão trabalhador. A violência da repressão não fazia tantas vítimas como as que são feitas,hoje, em todos os quadrantes de nosso País, RESPALDADA pela DEMAGÓGICA DEMOCRACIA POPULISTA DO VOTO 'OBRIGATÓRIO'. Não desejo o retorno do 'tacão-militar' mas também não se pode ignorar o 'morticínio' promovido pelo 'crime organizado', principalmente nos grandes centros. Perpetrado por destemor às leis brandas e encorajado pela certeza da possível impunidade. Até por que as autoridades que deveriam legislar e fazer cumprir as leis são, no mais das vezes, os maiores corruptores das mesmas. A par desse sentimento, ocorre-me que a ousadia que moveu-me naqueles dias de 1976, nem de longe se compara com a que precisanos ter para continuar levando com dignidade a nossa vida e de nossa família na atualidade. Chego mesmo a pensar no tal de 'kaliuga' que os esotéricos e gnósticos reportam como sendo a era das transformações sociais. Outras vezes dirijo minhas atenção e vigilância para o complexo turbilhonar cósmico e suas conseqüências sôbre nosso belo Planeta e seus 'desajustados passageiros'.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

UM MESTRE E COLEGA CARISMÁTICO!

Quando, depois de alguma relutância, cedendo aos apelos de meu amado filho, decidi realizar este ensaio, não ponderei a possibilidade de vir a ser traído pela memória ,especialmente em questões tão relevantes.Ela me parecera,sempre bastante satisfatória, se comparada a de outros 'mortais' da mesma faixa etária.Bisonho equívoco!.No entrevero destas MEMÓRIAS, inadvertidamente eu estava olvidando Mestres cujos nomes estão indelevelmente associados à própria dignidade dos novos profissionais por eles formados.Há que destacar o Dr. Alberto Heitor Schimidt,médico e Mestre, sempre disposto a oferecer um alerta para um ou outro caso 'bruxo' que costuma 'minar' a vida do profissional inexperiente ou pouco atento.O Dr.Antonio Jorge Dreon de Albuquerque,médico-veterinário, Mestre em VIRULOGIA, sempre lembrado, especialmente quando ocorrem surtos, ou pandemias virais que acometem grandes populações em todo o Planeta(ex. HIV,H1N1).O professor Farmacêutico Clóvis Silva Lima que mercê de sua capacidade e dedicação foi guindado ao honroso cargo de MAGNÍFICO REITOR DA UFSM. O jovem e brilhante farmacêutico Baltazar Schirmer, Mestre em Farmacologia, que já ocupou o cargo de Pró-Reitor,desempenhado anos antes pelo meu ilustre amigo e colega,então professor, Valter Bianchini, de quem já tive a satisfação de referir.A professora farmacêutica Glaúcia Ustra, dinâmica mestra.Hoje aposentada, mas dirigindo uma rede de farmácias de manipulação muito prestigiosa e bem sucedida.O professor Irineu Pazini, também aposentado, sempre à frente de seu criterioso Laboratório de Análises Clínicas.O professor Geolar Badke douto em Legislação e Deontologia Farmacêutica.A professora Idelares, da Química orgânica clássica, que o Onipotente Criador a ilumine.As queridas Mestras farmacêuticas Beatriz Dalla Porta(Citologia Clínica),Águeda Leal(Bioquímica Clínica),Marlene P.Leal(Microbiologia Clínica)e Anita de Conto(Parasitologia Clínica), professoras e orientadoras no período de Estágio, serão sempre lembradas por sua competência e dedicação integral ao ensino farmacêutico. Dentre todos sobressai a figura CARISMÁTICA do estimado mestre farmacêutico ANTONIO ROBERTO FONTOURA PEREIRA.Profundo conhecedor de Citologia, matéria que ensinou durante muitos anos, ao longo dos quais granjeou a simpatia e o respeito de alunos de todos os cursos, além da farmácia.Mercê de sua simplicidade, amizade, companheirismo,integridade e dedicação era sempre homenageado ora por um ora por outro curso. Ás vezes era alvo de mais de uma homenagem. Deve ter perdido a conta das vezes em que foi 'requisitado'como PARANINFO DE TURMAS. Tive a grata satisfação de me formar justamente numa turma que o escolheu como PARANINFO.Além de professor universitário, costumava oferecer cursos extra-curriculares com o mesmo desempenho e eficiência.Ainda conserva seu Laboratório Clínico especializado em dosagens de hormônios.Um dos primeiros surgidos no nosso Estado.Creio que o primeiro no interior.Seu refinado espírito de liderança rendeu-lhe a justa homenagem da "SEMANA ACADÊMICA PROF. ANTONIO ROBERTO FONTOURA PEREIRA".Exerceu o cargo de Secretário do Conselho Regional de Farmácia do RS.Foi membro do Conselho Federal de Farmácia que o galardoou com o "DIPLOMA E MEDALHA DO MÉRITO FARMACÊUTICO".Aposentado do magistério, continua com seu laboratório e a presidência da Associação Santa-mariense de Farmacêuticos-Químicos.É um desses profissionais que certamente engrandece qualquer entidade que o possa contar entre seus colaboradores. Segundo o historiador Eduardo Prado, "a história é feita de reparações salutares e tardias justiças"(História da Revolução Farroupilha, por Morivalde Calvet Fagundes,educs-martins,2a.ed.).Embora não seja historiador, sentir-me-ia assaz desconfortável com a consciência se tivesse a convicção de ter omitido deliberada e injustamente o nome de algum abnegado amigo que tenha me auxiliado. Neste caso cumpre-me penitenciar com os injustiçados ou esquecidos, que certamente não terão sua capacidade profissional e o brilho pessoal, obscurecidos pela amnésia de um 'biriva', ex-aluno chamado 'Rapa-de-taxo', que um dia abeberou conhecimentos na fonte onde esses mestres eram manancial.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

NACOS DE AFEIÇÃO

Por mais que eu pretenda esmiuçar minhas recordações, o cenário em que vivi até aproximados cinco anos de idade, se me apresenta na maior parte obscurecido. Não avançam muito mais além das avermelhadas e poeirentas Estradas de Belém durante as estiagens do verão. Essas, nos invernos e épocas chuvosas, apresentar-se-iam marcadas por profundos sulcos e buracos enlameados, onde vez que outra surpreendíamos um emblemático joão-de-barro, familiarmente tratado por "joão-barreiro"(Furnarius rufus)coletando 'argamassa' para construir seu 'palacete' no cimo de algum 'moirão' de alambrado que limitava a 'carreteira' e os campos repletos de gado de corte ou de lã. A área que minha família administrava, em 'pequenos cercados', estava sempre 'trabalhando' de acordo com a estação do ano e o clima. Em certos anos alguns desses potreiros ganhavam 'descanço'; aí crescia a grama que servia de pastagem para o gado que dela se alimentava e cujos os dejetos 'estrumava' a terra, adubando-a assim para novas e diversificadas culturas de milho, feijão, batata-doce, mandioca, amendoim, e hortifrutigranjeiros imprescindíveis para nossa subsistência e à criação doméstica. Hoje a soja e o arroz constituem as culturas preferenciais naquelas terras. Nas manhãs dos rigorosos invernos os campos cobriam-se por vasto lençol de 'geada'. Do alto onde se situava nossa Casa e galpões a monotonia da planície rasa era quebrada por algum açude de espelho azul-esverdeado. Ou então era um prateado e serpenteante filete que fendia o solo formando delgadas boçorocas,ou sangas de águas claras, que finalmente se iam esconder em meio ao mato nativo que recobria a planície até as proximidades do sopé da colina conhecida como 'seio-de-moça'. Esta, com o ápice rochoso desnudo e torneado, justificava o nome pelo qual era/é conhecida. Mais adiante o Cerro do Loreto, um tanto imponente, separa essa região da 'picada-dos-farrapos', já mencionada no primeiro capítulo deste ensaio. Ao longe, quase na linha do horizonte, o Cerro da Glória, como que alinhado com os outros guarnece, embora à distância, já na região da fronteira(entre os municípios de Rosário do Sul - Santana do Livramento) a, ainda hoje lendária Serra do Caverá à sudoeste do Loreto, este no distrito de São Vicente do Sul, minha terra natal. Para nordeste, ao se alinharem com o morro do Chapadão, nas cercanias da cidade de Jaguari, vão se constituir nos prenúncios dos contrafortes da Cadeia São Martinho que emoldura o norte da cidade de Santa Maria com os Morros da Caturrita, Santo Antão e Cechela. Aqui, através da Estrada do Perau, pelo Campestre do Bairro Menino-Deus e pela ponte sobre o Vale-do-Diabo, no rio vacacaí-mirim, é realizada a integração entre a metade sul e a metade norte de nosso Estado, em plena região da Depressão Central. A cidade de Santa Maria foi, por muito tempo, conhecida com o complemento 'da Boca do Monte', justamente por sua situação na região onde o viajante abolindo a planície é envolvido pela seqüência de morros que se sucedem para nordeste de nosso Estado. O desenvolvimento da pecuária de corte e a intensificação da agricultura, em ambos os casos, visando principalmente o mercado de exportação, certamente terá modificado sensivelmente aquele cenário ainda presente na minha memória dos anos 50/60. A supressão do transporte ferroviário de passageiros e de pequenas cargas e encomendas, trouxe como resultado o isolamento e a consequente desaceleração, e mesmo estagnação, da atividade econômica e social de várias cidades gaúchas. A abertura de rodovias intermunicipais e alimentadoras além das rodovias estaduais e federais, por onde outrora corria a 'estrada real'- por muitos conhecida por 'carreteira' - redesenhou muitas regiões e modificou acessos a cidades e interior de municípios. Terá isto ocorrido com as regiões que me viram nascer e crescer. Em conseqüência encontro dificuldade para resgatar através da memória o cenário que presenciou minha existência nos primeiros anos. Terá ocorrido alguma espécie de 'bloqueio' ou de rejeição em determinada área de meu cérebro, onde deveriam estar registradas e 'arquivadas' as informações experienciais daqueles dias?. Ou devo rever minha expectativa buscando quiçá um 'critério seletivo' de alguma área cerebral cujo 'registro' e 'arquivamento eletivo' seja capaz de justificar o 'recordar' certos fatos e o 'esquecer' outros. Estas e outras divagações se alinham e acabam por convergir para uma resposta que só com o tempo,talvez, poderei concluir como acertada. Por enquanto fico com a conclusão resumida na máxima que sentencia: "a soma total de todas as minhas supostas certezas é infinita e imensuravelmente insignificante comparada com a soma total de todas as absolutas incertezas que me dominam".

sábado, 21 de novembro de 2009

PREDESTINAÇÃO OU LIVRE-ARBÍTRIO .

Por muitos anos e em inúmeras oportunidades me encontrei às voltas com questões relevantes para a sobrevivência e progresso meu e, por extensão, de minha família. Vale dizer que um dos mais antigos problemas do homem, o Livre-arbítrio e a Predestinação, massacravam determinadas porções de meu cérebro, suscetíveis de serem educadas. Obviamente ainda hoje ocorre esse massacre. Ao longo de minhas, quase, sessenta e sete primaveras venho sustentando uma vida de luta entre os ideais impostos pela cultura arduamente amealhada e as paixões ditadas pela biologia. Alguns pensadores entendem que "o homem não pode mudar sua natureza biológica pela vontade. Todas as realizações de um indivíduo por sua própria força, não podem ser transferidas aos descendentes. Seríamos, por hereditariedade, o produto de nossos ancestrais filogênicos mas não produtos da cultura de nossos pais". Em tal caso a raça humana não poderia, por um esfôrço volitivo, adestrar as partes adormecidas, ou latentes, do cérebro. Outros estudiosos sustentam que apenas pelo exercício a vontade pode chegar até ao atual nível de evolução, e que a raça, e certamente o indivíduo também, avança graças a possibilidade de exercitar este poder. Em meados do século passado um renomado neurologista chamado Tilney afirmou que ''os homens não nascem grandes. As habilidades especiais que os fazem grandes, são todas adquiridas pela força impulsionadora da sua vontade'', assegurava ele.O cérebro de um homem de gênio é suave e redondo na infância. Torna-se o mecanismo infinitamente intrincado que é na velhice, mercê dos pensamentos com que foi cinzelado. O homem, através do Livre-arbítrio, quis, decidiu educá-lo. Teria, talvez maior aptidão do que outros para apreender, mas em última análise, foi sua vontade inquebrantável que lhe sulcou no cérebro aquelas complicadas circunvoluções onde reside o talento. Tilney sentenciou: é o homem quem faz o cérebro, não o cérebro que faz o homem. É a inflexível vontade humana que modela o cérebro animal recebido com o nascimento, e o transforma em cérebro humano. É só com a vontade que lentamente constrói um centro de linguagem e, posteriormente, todas as outras habilidades que o homem acaba por desenvolver. Algumas autoridades entendem que a vontade necessita de outro atributo para se manifestar: o interesse. É este que impulsiona um homem à grandeza, encorajando-o a exercitar sua vontade com a aplicação de sua energia. É o interesse que teria impulsionado eminentes figuras como W.Churchil, F.Roosevelt, Clemenceau, Anatole France, Victor Hugo, Rembrandt, Miguel Angelo, e outros tantos que pautaram suas vidas desde a mais tenra idade até a velhice sempre aguilhoados pela curiosidade, insaciáveis por sabedoria, sequiosos de vida, dotados de uma vontade indômita e vitalidade inexcedível. Certamente que foi também a vontade a responsável por conclusões científicas atabalhoadas, com que por vezes deparamos nos anais da história das Ciências. Assim é que, por vezes, tomamos conhecimento de episódios envolvendo renomado cientista ao qual é atribuída uma conclusão um tanto fantasiosa. Tal é o caso do cientista Robert Hooke secretário da Royal Society a quem era, no século XVI, atribuída a responsabilidade pelas experiências conduzidas dessa Real Sociedade Londrina. Sua contribuição para as Ciências encontra registro desde o estudo da 'celula', que é um termo cunhado por ele. Seu nome está associado a invenção do microscópio monocular, mais tarde aperfeiçoado pelo gênio inculto do holandez Leeuwenhoek, que possibilitou grandes avanços no estudo da microscopia celular. Hooke publicou um livro intitulado MICROGRAPHIA em que constavam observações microscópicas detalhadas e ilustradas com pranchas artisticamente elaboradas. Estas iam desde células de cortiça e outros vegetais, imagem de uma pulga, o olho composto da mosca, a estrutura do ferrão da abelha e seus pêlos, o movimento de asas dos insetos, cristais de neve, a ponta de uma agulha, até o fio de uma navalha. Analisou fios de cabelo, pelos e filamentos de seda. A par de sua vasta contribuição para a ciência, não lhe faltaram invejosos detratores. Algum até lhe imputou o estudo microscópico de espermatozóides nos quais eram 'identificados' vestígios de 'bigode'. A história oficial não menciona tal fato. Nos congressos estudantis, por vezes o palestrante, a modo de quebrar a monotonia, citava o episódio. Quando faleceu, seu lugar foi ocupado pelo brilhante Sir Isaac Newton que acabou por rapidamente ofuscar o brilho da memória de seu antecessor pelo qual não nutrira amizade. Alguma brincadeira inocente, por vezes, pode ser mal interpretada e levada a sério. Aí vai um exemplo produzido nos já distantes dias de acadêmico de farmácia. A par de minha sisudez, vez que outra, eu 'comprometia' um colega desprecavido. Já referi-me ao jornal 'O Esfregaço' que veiculava muitas 'utilidades' de interesse dos futuros 'boticários' . Entre estas incluía o 'colega Ideal'. Um dos que reunia algumas 'qualidades' era o 'tomador de empréstimos' que jamais resgatava suas dívidas. Faltava a muitas aulas, pedia anotações emprestadas e só as devolvia no dia da prova. Eu e meu amigo Bohrer, a quem dedicarei algumas linhas, costumávamos sentar à frente, na sala-de-aula. Explorávamos melhor o professor. Com o tempo o colega 'puçuca' decidiu sentar atrás de nos para tirar proveito. Nas provas sempre 'colava' de um ou de outro. Fingíamos não perceber. Certa vez, durante uma aula de Genética Química em que o brilhante professor Dr. Romeu Ernesto Riegel discorria sobre a decodificação do DNA e sua estrutura helicoidal, falou da importância da descoberta bioquímica pelos cientistas WATSON & CRICK e relatou breve história sobre os dois. No intervalo ficamos na sala-de-aula ainda 'ocupados' com a história pregressa dos dois cientistas. Fiz ao colega Bohrer 'recordar' que os ditos pesquisadores eram nossos 'conterrâneos'. Um deles fora um 'borracho' inveterado sempre presente no bar da rodoviária de São Vicente do Sul(minha terra natal) e que eu até lhe dera 'carona' alguma vez, quando viajava. O outro, 'CRICK', de ascendência alemã, estava sempre no 'quiosque' da praça central de Santa Cruz do Sul(terra natal do Bohrer) sempre bebendo 'Chopp' e comendo 'salsichas', por isso ele era 'avermelhado'. Com toda essa 'balela' o Bohrer fingia concordar e até 'manifestava surpresa' pelo fato de os dois 'borrachos' inveterados terem se 'emendado' e, dedicados a pesquisa científica, acabarem por arrebatar o 'premio Nobel de Medicina de 1.968. 'Um deles estaria tão 'mamado' que até fora impedido de receber a homenagem. Algum tempo depois outros colegas nossos passaram a nos 'assediar', para saber como é que nos tínhamos relacionado com os dois cientistas. A resposta era simples: nos costumávamos encontrá-los às refeições ou nos 'lanches'. Eu era viajante-vendedor e o Bohrer era filho do gerente do Sulbanco, cuja agência ficava bem em frente ao quiosque da praça central de Santa Cruz do Sul. Algum tempo depois 'caiu a ficha' e a turma começou a fazer gozação com o colega tão 'vivo' pra umas coisas e tão 'ingênuo' pra outras. Resultado, perdemos um 'colador', 'tomador de empréstimos' e 'assassino', pois tinha ' matado' alguns familiares para conseguir os 'empréstimos'. Ganhamos um inimigo que nem mesmo participou das festas de formatura, pois não pagava a associação de turma. Nunca compareceu nas confraternizações e reencontros da ATFB/75. Uma outra 'armação', desta feita para cima de um colega aplicadíssimo, que só tirava nota DEZ. Numa aula prática de toxicologia aplicada, amassei uma folha de canabis sativa(cânhamo) , coloquei diminutos fragmentos numa lâmina e levei ao microscópio ótico em aumento ótico máximo. Visualizei um filamento 'helicoidal', juntamente com outro colega 'mui amigo', que entendeu o 'espírito' da demonstração. Chamou o colega 'nota DEZ' e sugeriu que havíamos encontrado a hélice de DNA. O aplicado colega concordou, e pra impressionar suas colegas de 'grupo' chamou-as pra ver a raridade. Todos foram unânimes e concordaram com o diagnóstico. Lá pelas tantas, cheguei e observei a preparação, recoloquei a lente objetiva para aumento máximo e questionei, quem tinha conseguido visualizar a estrutura de DNA naquele instrumento com capacidade limitada de 300 aumentos. Pois era sabido que tal estrutura só era visível em microscopia eletrônica com alguns milhares de aumento. Todos caíram na real. Furiosos sentenciaram que 'só podia ser 'molecagem' do véio' . Todos havíamos visto uma fibra de celulose.

sábado, 14 de novembro de 2009

O 'ESFREGAÇO'

A maioria dos integrantes da turma de formandos do Curso de Farmácia-Bioquímica da UFSM no ano de 1975, era moças. Já naquela época a proporção era de três moças para cada um rapaz, aproximadamente. Duas ou três delas eram casadas. Entre os rapazes o número de 'comprometidos' era o dobro. Um único caso de casamento entre colegas. Haviam se 'amarrado' antes de iniciar o curso. A faculdade de farmácia era famosa por ser das mais procuradas pelas 'beldades' inteligentes. Uma delas tinha concorrido ao título de Mais Bela Prenda, antes de entrar na faculdade. Outra, uma dessas morenas tipo Claudia Cardinale, de nariz 'empinado', diziam ser filha do Cônsul Uruguaio. Transferiu-se no final do terceiro ano para outra Universidade. Não me foi fácil o entrosamento. Eu era vestibulando de 1966, ninguém me conhecia. Nas aulas práticas, alguns me confundiam com o professor, pois além da roupa 'branca', eu era flagrantemente mais 'usado' que os demais colegas de curso. Despacito me fui soltando e entreverando no meio da garotada. Nos primeiros dias e semanas ocorriam 'trotes' a que não me submeti, alegando já ter passado pelos mesmos. Também minha situação de 'engessado' emprestava-me alguma imunidade frente a possíveis brincadeiras. Passado algum tempo, a parceria e o coleguismo começaram a dar lugar para brincadeiras. Ganhei o apelido de 'véio'. Não me incomodei, pois em relação a maioria eu era mais 'idoso' mesmo. Além do que esse tratamento me 'aproximava' e tornava mais íntimo da turma. Na verdade eu podia ser 'véio' mas não 'estava morto', ainda. Dei mostras disso numa das primeira aulas de anatomia expositiva. Uma menina um tanto 'ingênua' ao deparar com o tronco e membros de um cadáver formolizado , exposto para análise, na gôndola, exclamou com grande surpresa: credo!, isso é gente'?. Ao que, incontinenti, respondi que era de um Burro, a julgar pela 'documentação'. Gozação generalizada com a colega e cuidados redobrados com o véio, doravante. A moça se formou, fez mestrado e integra o quadro de professores da UFSM. E o pangaré véio aqui continua indócil, atirando o freio na cancha reta da existência. Meu humor azedava após alguma avaliação em que minha nota revelava aproveitamento comprometedor. Há que recordar o fato de , a cada dois ou três meses, eu ir a Porto Alegre, para revisão médica, nas minhas fraturas. Enquanto não recebi alta, meu humor era péssimo. Verdade é que nunca foi dos melhores. Ainda hoje, flutua com as adversidades. Outros colegas eram possuidores de estigmas também. Um por timidez, não cumprimentava ninguém. Parecia sempre 'aborrecido'. Outro 'gozador', não perdoava ninguém diante do infortúnio. Havia um que vendia tudo que era quinquilharia com as cores da farmácia. De quando em vez um ou outro era 'mordido' em alguns cobres por um colega mui esperto que alegava estar com o 'caixa' vazio,devido a doença ou morte de um familiar. Até eu entrei nessa. Jamais fui reembolsado no empréstimo tomado. E assim se foram delineando muitas imagens de colegas que passaram a ser conhecidos por seus temperamentos ou comportamentos em relação aos demais. Lá pelo fim do quarto semestre, com a turma já bem 'conhecida' e entrosada, passou a circular o mensário do Centro Acadêmico da Farmácia. O 'Esfregaço', elaborado por alunos de todas as séries, 'contemplava' , aleatoriamente, algum felizardo com o 'pretencioso' título de O COLEGA IDEAL. Esse colega deveria reunir as qualidades de uns e de outros. Contribui com a 'paciência' e o 'humor'. A 'honestidade' era contribuição do 'tomador de empréstimos' e do 'vendedor' de 'quinquilharias'. A 'ingenuidade' da colega da aula de anatomia, deveria marcar o espírito do colega ideal. O ''hálito'' do 'boca-de-anjo' referia-se a um colega de nossa turma que era chegado na 'velho-barreiro' e não se preocupava muito com o 'bafo' que lançava nos outros. A 'pontualidade' de uma colega que chegava sempre em meio da aula, era uma 'qualidade' requisitada e atribuída ao colega ideal, que assim deveria se constituir em um exemplo a não ser seguido. Já referi que após livrar-me do gesso, comecei a recuperar o aproveitamento e passei a eliminar algumas matérias. Várias vezes convidei um colega, casado também, para praticarmos fazendo cirurgia em ratos e sapos, animais de laboratório, comumente empregados em pesquisas científicas e em provas diagnósticas clínicas. Ganhamos experiência e segurança. Dito colega tinha muito boa memória e inteligência. Era um pouco preguiçoso. Certa vez fomos para uma prova de Patologia geral(estudo das doenças), através da análise e interpretação de lâminas contendo esfregaços preparados para determinado diagnóstico. Eu estava 'afiado', tinha repassado trinta e tantas lâminas com esfregaço. Ele disse-me que contava com meu auxílio, pois estava muito mal. Combinamos que ele me descreveria o que via nos esfregaços e eu lhe daria o 'diagnóstico' dos mesmos. Assim procedemos. Terminada a prova 'minutada', fomos trocar parecer. Disse-me que não aceitara meu parecer por julgá-lo errado. No dia seguinte fomos juntos ver o resultado de nossa prova. O professor, gozador, disse-me 'ter tido sorte', escapado com 8,5. Quanto ao meu colega, saíra 'arrodeando' para a prova final.Aconteceu de não aceitar meu diagnóstico. E o dele estava em desacordo com as estruturas morfológicas acusadas no esfregaço, que era de outro órgão não reconhecido por ele. Na prova final conseguiu a nota que precisava. Depois, quando comemorávamos, prometeu-me que nunca mais faria qualquer exame. E cumpriu a promessa. Vencida a preguiça o resto veio por via de conseqüência. Nos formamos e festejamos juntos. Nossas famílias eram amigas. Bom colega. Saudoso amigo e companheiro de churrasco.

sábado, 7 de novembro de 2009

A RECONSTRUÇÃO

Um pouco mais de um quarto de século demorei eu para percorrer as aproximadas quinze léguas que separam meu torrão natal no Rincão dos Farrapos , município de São Vicente do Sul, e a promissora cidade de Santa Maria, berço da Cultura Universitária do interior do meu amado Rio Grande do Sul. Examinando a topografia da região onde situam-se esses municípios e o de Cacequi, arrisco-me a emprestar apoio a frase que sentencia 'o homem como sendo produto do meio'. Assumi o risco, visto não considerar a referida sentença suficientemente correta.Parece-me carecer de complemento para ser unanimidade. Certamente o componente físico ou somático(humus, terra) entra na composição humana, da mesma forma que o psíquico. Caso contrário estaríamos negando a tese maior da semelhança espiritual de criatura e o seu Criador.Além do mais a Inteligência Universal nos dotou de Livre-Arbítrio. Em meu humilde entender, este atributo além de complementar o homem assegura-lhe hegemonia sobre todos os demais seres que participam da aventura cósmica. As atitudes humanas decorrem do seu poder de Livre Arbítrio. Se nossas atitudes estiverem de conformidade com as Leis Universais da Natureza, seremos FELIZES, posto que abençoados com Paz, Harmonia e Saúde. Se obrarmos contrariamente a elas, teremos a guerra, a violência(desarmonia) e a doença como parceiros de viagem. Em poucas palavras, somos artífices de nos mesmos. Pode parecer filosofia barata. Para mim, pessoalmente, não é. Infelizmente não estou livre de, em dado momento, por falta de fé e, por invigilância, voltar a ser vítima do desconforto que já acometeu a mim e aos meus amados, desde os mais próximos até os mais afastados. Por algum motivo o Divino Messias, nos legou, através de seus piedosos apóstolos e seguidores, a imperativa sentença cunhada na expressão ''ORAI E VIGIAI'!. Sei por experiência, quão difícil é estar sempre 'antenado'. Desconheço outra maneira de se evitar 'surpresas'. Determinado poeta(?) quando afirmou que 'são por demais as tentações desta vida' ,certamente tinha noção dessa máxima. Não sei sua identidade, nem se ainda vive neste nível de existência. Pode até ser um desses 'aventureiros' que levam a vida a infernizar, de um ou outro modo, seus 'semelhantes' nas grandes cidades ou na minha pequena comunidade. Tanto quanto me for possível, tentarei resistir 'aceitar provocação' dos 'pecados capitais'. Por tolherem a nossa capacidade de usarmos a razão é o motivo de assim serem chamados. E como a ' central' da razão está no encéfalo e este encerra-se no estojo craniano, conhecido por cabeça, concordo que os pensadores e anatomistas eram mesmo inteligentes e criativos. Daí a necessidade de evitar cair em 'pecados capitais' ou fundamentais. De qualquer maneira, após cinco longos anos, dos quais mais de três gastei em recuperação de parte do aparelho físico danificado e também do espírito que, em desordem, não poderia manter um corpo sadio. É contrario a máxima 'Mens sana in corpore sano' decorrente das sagradas leis da Natureza. Por força das circunstâncias criadas por mim mesmo. Só que, à época dos acontecimentos, eu ainda não percebia nada, além dos referenciais que eu conseguia adquirir ou controlar com o dinheiro que percebia com meu honesto labor. E era honesto, tanto que perdi somente o que se me tornara supérfluo. Por esse motivo as circunstâncias se harmonizaram de maneira a permitir-me, embora com algum esforço, realizar meu objetivo maior que era a formação profissional. E consegui no tempo regulamentar. Cumpri a promessa feita ao dr.Valter Bianchini.Graças a Deus, e à minha família e amigos que acreditaram em mim. Graças, especialmente ao amigo, professor e, mais tarde, colega dr. CLODOMIRO BERTOLDO, que reconhecendo meu esforço, não mediu sacrifícios para oferecer-me e a mais dez colegas um curso de férias, INTENSIVO, para que pudéssemos concluir a modalidade de Farmácia no início de 1975 e no fim do mesmo saíssemos formados FARMACÊUTICOS-BIOQUÍMICOS. Saudoso amigo. Não cansava de enaltecer minha trajetória de lutas. Conhecia-me desde vendedor. Teve farmácia. Depois passou a se dedicar com tempo integral ao Magistério Universitário. Era coordenador do curso de farmácia. Não precisava dar aulas. Em consideração a minha pessoa deu o curso de férias. Dizia aos meus outros colegas que agradecessem a mim terem aquela oportunidade. Me constrangia. UM AMIGO COM LETRAS GARRAFAIS. DEUS O ILUMINE INFINITAMENTE. Guardo as melhores recordações do tempo de estudante universitário. Umas figuras dignas de serem tratadas por MESTRE. Outras nem tanto. Entre os colegas não era diferente. Embora tivesse trânsito livre entre todos. Eu não podia ser unanimidade. Me esforcei muito para ser eficiente e merecer o respeito de todos. Infelizmente não nos é dado agradar todos os nossos semelhantes. Assim é que alguns não pagavam a Associação de Turma por 'não suportarem minha cara'. Eu fui tesoureiro e 'ditador' da ATFB/1975. No final do segundo ano não havia um vintém em caixa. Junto com outro colega confiável, tomamos o poder e estruturamos a associação. Além das mensalidades acessíveis, fazíamos promoções em boates, rifas e sorteios. Vendas de apostilas, camisetas e abrigos com cores e logotipo da faculdade de farmácia e turma. Tudo que era lucro ia parar na poupança da CEF. Havia assembléia geral da turma com prestação de contas. Ao terminarmos o curso havia recursos suficientes para contratarmos com a ORQUESBAN a animação do baile de formatura pelo conjunto DESENVOLVIMENTO de Porto Alegre. Para o encerramento foram contratados alguns 'figurantes' e 'sambistas' da banda do CANECÃO do Rio de Janeiro. Sucesso ABSOLUTO, registrado pela segurança e diretoria do ATC(avenida tênis clube) única entidade social que dizia ter corrido o risco de sediar o baile em consideração a mim, que era sócio patrimonial. Seu presidente, dr.Paulo Lauda, era amigo antigo e aceitou o desafio, embora reconhecendo os riscos. Em anos anteriores os formandos promoviam 'beberagens' e 'quebra-quebra' e até atiravam-se com roupa na piscina. Isso dava prejuízo material e afastava os sócios desgostosos do clube. Reunidos os colegas em assembléia geral, informei-os das dificuldades. Concordamos em contratar o clube com a condição de a segurança ficar autorizada a reprimir qualquer abuso de quem quer que fosse.Após o baile a caução exigida para garantir possíveis 'estragos' quase não tinha sido acionada. Só alguns copos quebrados. O restante autorizamos que fosse 'rateado' com os funcionários e seguranças da entidade social que nos acolhera com tanta cordialidade. Ficou um saldo na poupança que, com os rendimentos, permitiu ajudar no pagamento das despesas de confratenização de nossa turma, três anos depois. A poupança da AT-FB cumprira sua finalidade. Seria encerrada. Os membros, cada vez mais amigos, se reencontram com intervalos aproximados de cinco anos. O último reencontro foi em 2.005. Com a Graça Divina, tinha vencido a batalha final e também a guerra. As batalhas perdidas já não contavam. A RECONSTRUÇÃO estava em andamento. Espero que a Inteligência Universal continue a me dar condições para continuar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

RECUPERANDO A MEMÓRIA

Depois de 'gambetear' ligeira e manhosamente entre 'VOCAÇÃO!,QUE BICHO É ESSE' e 'NOVOS HORIZONTES' e, antes que me quedasse pealado em digressões veras, retorno para minhas reminiscências que estavam ficando fastidiosas. Ocorre que carecia eu de mais um pouco de espaço-tempo para começar a assimilar a idéia de ser pai-coruja. Às vezes minha regina e eu éramos surpreendidos com atitudes insólitas do molequinho que mostrou os primeiros dentinhos em torno de quatro meses. Aos onze meses e quinze dias ao caminhar completamente, 'dispensou', com significativo gesto das mãos, o auxílio de seus pai e mãe. Minha 'agenda' era vistoriada e 'rubricada' em todas as folhas . Causou-me preocupação a presença daquele atento 'fiscal'. Doravante teria eu que tomar mais cuidados com minhas anotações. Já atraía um fã-clube de fazer inveja a algum marmanjo. Sua maior fã era uma moça, filha do casal engenheiro Julio/Helena Menegassi, nossos ex-vizinhos de apê no edifício cujo nome ,'QUERO-QUERO', acabo de recordar.Passeava de automóvel, um Opala branco, com a moça que o 'paparicava muito'. Pousavam juntos para fotos.E chamava-a carinhosamente de 'AMOR', em vez de Eunice, que era o nome dela. Avós, tios e primos não admitiam sequer eu o 'reprimisse', mesmo que fosse só um olhar de desacordo. A avó materna se desmanchava em favores para o 'ferinha' que nem por isso lhe deixava de pregar peças. Numa dessas resolveu enfiar, o pé calçado na sandália, dentro de um buraco na calçada de cimento. Os pedreiros, mesmo 'assustados' com os gritos de 'socorro' e apelo para que trouxessem um 'trator', 'patrola' ou outra qualquer coisa, conseguiram tirá-lo ileso do apuro, na casa de sua 'avó-mãe' que o adorava.Com a avó paterna, mui sisuda, não trocava muitas figurinhas,embora se amassem mutuamente. Em pouco tempo se tornou grande conhecedor de automóveis nacionais. Exceção aos carros importados nas décadas de 40/50 que, ao lhe perguntarmos a marca do veículo, respondia em tom desairoso: 'ah isso é um carro velho'.E assim, despacito, ia dando definição de cada veículo com que deparávamos, quando saíamos em caminhadas pelas ruas com paralelepípedos irregulares, e calçadas de pedra moura. Estas revelando falhas por quebras ou desgaste pelo intenso uso dos transeuntes. Às vezes uma pedra em falso encobria uma poça d'água que acabava por dar um banho no 'vivente' menos avisado, que a 'humilhasse' com os pés. Naqueles dias, Santa Maria guardava traços bucólicos ainda muito nítidos da vida rurícola suburbana do entorno próximo. Eram poucos os prédios com o aprumo arquitetônico, como os que a emolduram hoje. A maioria das ruas era calçada com pedras irregulares, de basalto. Outras ruas mais afastadas do centro eram 'encascalhadas'.Nossa moradia, na rua José Carlos Kruel, não contava com calçamento, dele distando cerca de 20 metros pela rua Parayba, tranversal à nossa. O casario não era alvo de muitos investimentos na conservação e pintura. Desta maneira nosso chalé era um dos mais interessantes do vizindário. Com o tempo sacrificamos alguns mimos e ciprestes e com a pintura restaurada ela até apresentava algum entono. Especialmente quando o Ipê ostentava sua roxa floração. Estes quesitos devem ter atiçado o interesse de marginais que certa vez violaram nossa moradia. Entrando pela porta dos fundos, mais frágil e discreta, acabaram por levar coisas de menor valor.Entre elas um radinho portátil que o menino não cansava de interrogar, repetitivamente: 'o ladrão roubou o radinho é pai'?. Curtidor de animais-de-estimação. Conservava, num tanque com pouca água, uma tartaruguinha verde que deu por falta certa manhã. O tanque transbordara com a chuva,durante a noite, e o pequeno quelônio escafedeu-se, deixando-o frustrado. Até que nossos amigos Juraci/Ricardão, que também o adoravam, regalaram-no com um filhote de 'anatideo''. O bichinho , vulgarmente conhecido, como pato ou marreco, cresceu e rapidamente ficou 'pretencioso'. Logo começou a cortejar as 'poedeiras' do seu Nicácio, morador da nossa direita. Abriu um 'trilho' no 'mato' de nosso terreno, separado do galinheiro por tela de arame. O vizinho reclamou do 'assédio' e acusou o 'frederico' de causar o desassossego e consequente diminuição das posturas das aves. Minha esposa resolveu o impasse permutando o 'frederico' por um filhote de 'psitacideo' que atendia pelo nome de 'rita'. A caturritinha já dava sinais de querer 'parlar' quando, certa manhã fomos observá-la dentro do galpão-garagem.Ela estava agarrada no 'poleirinho', 'rigida'. Não resistiu o rigoroso inverno e sucumbiu ao gélido frio da garagem. Não nos ocorrera levá-la pra dentro de casa onde o fogão a lenha poderia ter lhe evitado o sacrifício da vida. Depois desse não tivemos mais animal de estimação, em Santa maria. Tempos depois esse casal mudou para Porto Alegre. Lá eles novamente nos presentearam, desta feita, com um pitecóide. Deste espero recordar mais adiante.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOVOS HORIZONTES

No capítulo anterior 'VOCAÇÃO', QUE BICHO É ESSE'?, manifestei claramente uma ponta de pesar pelo fato de eu não ser talentoso o suficiente para despertar o interesse de um maior número de leitores para minhas memórias. A maneira um tanto linear com que as tenho expressado até agora é passível de revisão. Na medida em que as limitações se forem dissipando na experiência, certamente a insipidez irá cedendo espaço para reminiscências mais nítidas e harmonizadas com as circunstâncias rememoradas. Um antigo ditado popular reza que 'o horizonte para um sapo na superfície d'água de um poço tem a dimensão do bocal deste'. Podemos esperar que nossos horizontes se alarguem na medida em que nossa percepção consiga divagar mais amplamente nas circunstâncias que compõem o cenário de nossa existência. Minhas primeiras memórias refletem a irreverência da infância. A espontaneidade dos primeiros anos de existência. À maioria das coisas que formam o cenário em que estamos inseridos costumamos dar um caráter lúdico. É assim com a maioria das crianças. Exceto as crianças identificadas como superdotadas, os gênios!. Existem casos de crianças que desde a mais tenra idade recebem um adestramento que as faz 'amadurecer' precocemente. É a norma em nossos dias. A mídia passa a integrar a vida da criança desde antes de nascer. O diagnóstico por imagem permite identificar o sexo do novo ser, já nas primeiras semanas de vida embrionária. Os bebês por vezes já nascem com os olhinhos acesos. Às vezes já com dentinhos. Outros começam a caminhar bem antes do esperado. O precoce despertar do intelecto torna-se uma contingência da vida hodierna. Atrevo-me a concluir que as circunstâncias determinam o grau de precocidade de um indivíduo. Mas não creio seja tão simples assim a explicação. As sucessivas reencarnações nos possibilitam apreciáveis progressos. Acontece que a pressão para o 'consumo' de recursos tecnológicos, acaba por desviar a atenção de grande parte da humanidade para o capitalismo desenfreado que relega a planos secundários o verdadeiro instrumento de evolução do homem, a ESPIRITUALIZAÇÃO. Nossas crianças cada vez menos são despertadas em sua espiritualidade. Em contrapartida são cada vez mais precocemente 'adestradas' no uso e dependência dos ditos modernos meios de comunicação. Não sou contra estes. Sou pelo uso racional deles. A espiritualização conduz para uma vida com ética, moral e respeito pelo nosso semelhante. O consumo massivo e irracional dos recursos tecnológicos, freqüentemente, nos tem apontado para o recrudescimento da corrupção, criminalidade, impunidade, imoralidade e decadência dos costumes de nossa juventude. Nesta repousa o alicerce da sociedade futura. Pessimismo à parte, que belo futuro nos aguarda!.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

VOCAÇÃO ! QUE 'BICHO' É ESSE?

A consciência, como que pressionada, me vem cutucando a um largo tempo. Decidi aliviá-la tanto quanto me for permitido pela Inteligência Universal. Em três palavras: PERDÃO VIRTUAL LEITOR !. Perdão para este humilde, limitado e despretencioso candidato a aprendiz de reporter de remembranças. Perdão se eventuais títulos tenham em algum momento despertado algum interesse em você. E ao examinar o conteúdo neles você não encontra sequer vestígios daquilo que deveria necessariamente corresponder ao quiçá pomposo, sugestivo ou impactante título. Perdão pela falta de vocação para este mister tão nobre. Em momento algum me arvorei talentoso para desenvolver esta atividade tão generosa. Tudo começou com uma sugestão em que percebi notas de brincadeira, como um agrado. Talvez por carinho ou mesmo por caridade ou solidariedade humana, da parte de quem tem seu âmago repleto desses atributos. Neste ponto sou tentado a cometer mais um pecado, parodiando um criador cuja identidade ignoro. Se aceitarmos que 'fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem flores', então penso não será equívoco tornar essa expressão mais abrangente. E então 'nas mãos que disseminam bençãos de luz permanecerão sempre restias de luz'; ou 'no coração que brotar o amor e a caridade pelo próximo restará sempre um pouco desses atributos Divinos'. Imagino que faríamos justiça não só ao nosso irmão benfeitor, mas também estaríamos reconhecendo a Onipotência do Supremo Criador frente a sua limitada criatura. Pois nos tem sido ensinado, desde tenra idade, que o homem espiritual foi feito à imagem e semelhança de Deus espiritual. Se a humanidade pautasse sua existência, sobre nosso planeta, dentro dessa máxima transcendental, não tenho a menor dúvida que este nível de existência seria bem mais perfumado, doce, harmonioso e radiante. A violência em todas as suas formas de manifestações decorre certamente da pobreza ou mesmo da ausência de Fé(na verdadeira luz Divina),do Amor( incondicional por nosso semelhante) e da Bondade(que nos faz solidários para com nossos irmãos). Percebo nessas três virtudes teologais que emanam da personalidade do meu incentivador, algo semelhante ao perfume das flores. Se pretendemos entender a definição do título deste singelo ensaio, devemos começar pela prática dos três atributos acima, legados pelo ONIPOTENTE E BONDOSO ESPÍRITO DIVINO UNIVERSAL. Após essa breve divagação retomo as memórias, pois efetivamente sempre restam algumas de onde saíram as outras. Podem e é bem possível que não agradem. Mas isso é outro assunto. Àqueles que eu não conseguir agradar, reclamo por PERDÃO, uma vez mais. Prosseguirei esforçando-me para resgatar esse penhor. Aos de boa vontade, certamente sentir-se-ão cada vez mais gratificados, ao entenderem minhas limitações e meu esforço para superá-las, objetivando meu aperfeiçoamento espiritual na busca da Verdadeira Luz Universal.

AINDA OS PÉS NO CHÃO...

Novos moradores em uma moradia já velha. Tão logo tomamos pé do que poderíamos melhorar no velho chalé, colocamos mãos a obra. Internamente suprimimos uma parede em “L”. Com essa medida anulamos também o corredor, um espaço, a meu ver, um tanto ocioso, especialmente quando não bem aproveitado, como em nosso caso. Com aproximados três metros de área o tal corredor interligava seis peças (cômodos), sendo elas uma exígua saleta, um quarto razoavelmente dimensionado que adotamos para o casal. Contíguo a este, outro quarto, pouco menor, destinar-se-ia ao herdeiro, que há algum tempo já estava sendo doutrinado para ser independente. Amigos e parentes não estavam muito acostumados a ver rebentos tão verdes separados da matriz. Nosso filho nunca reclamou desse tratamento. Certamente seu atilado espírito já conhecia a importância da independência.

Com a retirada da dita parede em “L”, houve um ganho de espaço. Uma ampla sala de estar visitas surgira no espaço onde antes foram a referida saleta, corredor e um terceiro aposento meio acanhado que ao desaparecer na fusão, cederia seu status de quarto de hóspedes para um quarto menor, ao lado do aposento do herdeiro. Por sinal esse quarto menor comunicava por uma porta com o exterior, a dois passos da porta da garagem. Teria sido um pequeno quarto servindo de corredor nos áureos tempos da moradia. A reforma nos resultou em três quartos na ala direita de entrada na casa. Da cozinha, dessas de campanha, divisava-se a ampla sala de estar visitas e, naturalmente, a porta da frente. Rechaçada para próximo da parede do lado leste, esquerda da entrada na casa, dispomos o conjunto formado por mesa com balcão em fórmica e seis cadeiras estofadas. O televisor em P&B ocupava um canto. A TV em cores ainda não existia. A primeira transmissão viria a acontecer em fevereiro de 1972, a partir de Caxias do Sul, durante a Festa da Uva. Evento presidido pelo então Ministro das telecomunicações Higino Corsetti.

A disposição de poltrona e sofás dividia, virtualmente, a ampla sala em dois ambientes diretamente iluminados por janelas abertas para o sol nascente. A pintura foi racionalizada. Por fora conservaríamos a cor cinza azulada. Por dentro as cores rosa e amarelo-claro davam o tom. Persianas nas janelas administravam a luminosidade do astro-rei. A cozinha, muy ampla, já no primeiro inverno foi contemplada com um fogão em latão esmaltado, alimentado à lenha, e de tal modo instalado que nos aquecia nas glaciais noites e, até dias, invernais. Com este cenário, montado no início, somado à troca de toda a instalação elétrica e remoção de alguma goteira, passamos a curtir nossa bela vivenda.

O grande desafio era certamente manter a parte do terreno que não tinha árvores frutíferas. O mato tomava conta. Eu não tinha disponibilidade nem condições de o manter limpo. Algumas vezes os irmãos Dartagnan e Mestre Padeiro foram capinar e fazer a limpeza. Não aceitei incomodá-los mais vezes. Até por que eles tinham a vida deles para tocar, também. Passado algum tempo já nem recordávamos mais do moderno apê que nos havia acolhido por um curto lapso de tempo. Não deveríamos ignorar, entretanto, que o referido apê tivera participação direta na aquisição de nossa “chacarola”. E por que não admitir que ajudara a nos proporcionar, agora, o que não lhe era atribuição maior. Graças a economia feita com ele, estávamos agora com os pés no chão e já começávamos a olhar o futuro.

Alguns amigos continuaram nos prestigiando e vice-versa. Destaco entre esses o casal Juraci e Ricardo Ziebner. Não será demais parodiá-los como o casamento da "fome com a vontade de vender". Ele certamente foi o mais completo vendedor de medicamentos que conheci. Não era “atochador”. Efetivamente, vendia no consultório, persuadindo o médico a receitar o medicamento que representava. Na farmácia formalizava a transação ao anotar o pedido, que o droguista ou farmacista apenas chancelava com a assinatura. Tributo-lhes a maior amizade e consideração. Sua esposa, Juraci não lhe ficava na sombra. Era dinâmica, competente e brilhante supervisora da Christian Gray perfumes e cosméticos. Éramos e continuamos amigos, em que pese a irreverência do seu “grande esposo”. Pois o “xirú” era avantajado na estatura e nas ações. Ela “enxergava longe” e por várias vezes convidou minha esposa para integrar seu quadro de promotoras de vendas. Nosso menino, ainda muito pequeno, não podia prescindir da mãe. Mais tarde, ela acabou aceitando e até levava o Tigrinho junto nas freguesas mais próximas. Afinal uns cobres extras auxiliariam no fluxo de nosso caixa um tanto assoberbado com todas as despesas que tínhamos.

Depois que me livrei do último gesso continuei por bom tempo fazendo fisioterapia. A perícia médica não me avaliando com condições de retornar ao antigo trabalho foi me deixando de “molho” até quando possível. Com o auxílio-doença nos mantínhamos. Eu ia e retornava duas vezes por dia à faculdade, campus de Camobi, distante cerca de quinze quilômetros de nossa casa. Em determinadas épocas eu tinha aulas à noite, no centro da cidade. O grande desafio era tentar pegar o transporte oficial gratuito, em ônibus da própria Universidade. No inverno tinha que sair de casa às cinco da madrugada para garantir um lugar no transporte oficial, e economizar as escassas divisas. Ao meio-dia era outra maratona para vir almoçar em casa. Vasculhando no DAE-Departamento de Assuntos Estudantis, descobri a possibilidade de contrair um empréstimo no valor de oitenta por cento do salário mínimo. Precisava de um fiador confiável. Apelei para um ex-colega vendedor, agora professor, que prontamente garantiu o aporte de recursos que, definitivamente, me garantiu concluir o curso. Tão logo comecei a trabalhar, depois de formado, resgatei todas as promissórias do empréstimo rotativo. Na oportunidade recebi uma declaração que soou como elogio. Eu era um dos poucos que voltava para pagar o empréstimo estudantil, rotativo. Mas como não iria pagar. Passar por “caloteiro” e ainda deixar “empenhado” meu amigo e professor Lauro Carlos Kolling, brilhante e competente médico pediatra na UFSM.

As coisas se iam serenando a passos de tartaruga. Com redobrado esforço, eu aplicava-me ao estudo. Concomitantemente, meu filho também já ia à escola. Mais precisamente ao Jardim de Infância, creio que hoje é o pré-escolar. Sua mãe o deixava na escolinha, depois de meia-maratona desde nossa casa. Fazia suas entregas ou vendas, e no final do turno o apanhava novamente no Colégio Olavo Bilac. Nessa mesma instituição havíamos estudado e nos conhecido.Uma década depois nosso filho aí iniciava sua trajetória vitoriosa, com a Graça Divina. Às vezes coincidia de eu não ter aula. Deixava-me ficar em casa estudando e controlando “o ferinha” para que Minha Regina tivesse mais tranquilidade para trabalhar. Nessas oportunidades seu espírito infantil irrequieto, volta e meia, aprontava alguma novidade. Certa vez ao explorar o mato no fundo do quintal, de lá apareceu com a camiseta carregada de ovos de uma galinha “baguala”. “Olha aqui o que eu achei'', disse, transbordante de felicidade. Sugeri à Minha Regina que entregássemos ao vizinho da direita, “seu” Nicácio Mendes. O menino não gostou da idéia. Afinal ele achara em nossa propriedade. Além do mais outro vizinho, “seu” João, morador no fundo do terreno à esquerda, também tinha penosas. Diante dessas dúvidas assumiríamos o risco e não desmancharíamos a alegria do inocente explorador.

Noutra oportunidade quase me matou do coração. Creio que foi quando, definitivamente, concluí não ser cardiopata. Eu estava estudando para as provas que sempre eram uma guerra para mim. Afinal havia prometido ao colega e amigo Valter Antônio Bianchini, do Egrégio Conselho Universitário da UFSM, que acabaria o curso no tempo regulamentar. Não desapontá-lo-ia de maneira alguma. Em tais ocasiões, indevidamente, eu encerrava-me por dias e noites seguidos estudando para as provas. O sono era espantado com o velho chimarrão, café preto forte, coca-cola e Reactivan, cuja aquisição ainda era livre, naqueles dias. Mergulhado em meio aos hormônios e vitaminas que seriam exigidos em prova decisiva no dia seguinte, súbito, um berreiro desesperado e angustiado me fez saltar da cadeira:

-''Paaaiiii... Me socó-e... Tô tooooodo pebado... Acho que vô moê!!!"

De um salto já estava na porta da cozinha, quando deparei com o meu “ferinha” com o rosto, mãos e roupas, todo ensanguentado. Arranquei serenidade não sei de onde. Certamente dos Arcanjos e Anjos da Guarda. O dia estava quente, como é normal em Santa Maria. Tomei-o nos braços, coloquei-o no tanque de lavar roupas e abri a torneira para lavar a sangueira em água corrente. Imediatamente verifiquei que o ferimento não era muito grande nem profundo. Estanquei com o dedo premido sobre o 'naco' de epiderme ferida, modelado em “V” grosseiro, e gradativamente a hemorragia parou. Lavei com Timerosal e prensei com compressa de gaze fixada com curativo pronticura (band-aid).

Ia colocá-lo em repouso quando deparei com a vizinha da esquerda de nossa casa. Estava muito pálida, embora fosse enfermeira. Assustada ainda, prontificou-se a ajudar no curativo, que lhe mostrei já estar resolvido. Então ela relatou como ocorrera o acidente. O “ferinha” estava brincando com suas crianças, da mesma faixa de idade. Em dado momento decidiu escalar um tronco de goiabeira. Escorregou numa forqueta da árvore, que é muito lisa, e despencou batendo com a testa no canto de uma lasca de pedra, tipo cascalho, que estava na terra solta em baixo da planta. Na ausência de outra versão, o assunto ficou encerrado. O ferimento cicatrizou rapidamente e nem sinal restou.

Era muito solidário comigo. Bastava ver-me empunhar uma enxada ou pá e queria ajudar. Gremista fanático. Por vezes ficava bom tempo conversando sobre futebol com outro vizinho que morava na casa da frente, no mesmo lado do sol nascente. Por sinal, esse vizinho, um jovem muito espiritualizado, certa vez levou-me ao centro espírita São Sebastião, onde um médium prescreveu-me Memoriol B-6 para minha falta de memória. Acertou em cheio. Nunca mais fui nocauteado na faculdade. Esse vizinho era muito nosso amigo. Dr. Francisco Colvero, apelido Kiko. Formou-se em Medicina Veterinária na mesma época em que eu me graduei em Farmácia. Estudamos juntos um semestre no curso básico integrado. Fui em sua festa de formatura. Deus o ilumine e guarde onde estiver. Tentarei rememorar mais amizades e façanhas do explorador, valente e conquistador Don Juan, na sequência.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

PÉS NO CHÃO E OLHOS NO FUTURO

Desde jovem agrada-me, sobremaneira, ouvir a conversa das pessoas mais experientes, contanto que comedidas. Com o tempo até conseguia alimentar algum assunto com pessoas de mais idade. E algumas até me davam corda. Desnecessário dizer que assim sentia-me orgulhoso e valorizado perante os demais jovens de minhas relações. Não era melhor nem pior, apenas diferente em relação à maioria deles. Não sei por que “cargas d'água”, eu desenvolvi tal preferência. Até as namoradas eram de mesma idade ou até mais “responsáveis”. Raramente me interessei pelas menininhas. É como se eu fosse um tanto prematuro.

Assim foi, que lá pelas tantas, surpreendi-me formatando uma máxima que levaria pra o resto de meus dias. Afirmava pra mim mesmo que deveria fazer o máximo enquanto era jovem. Se algo saísse errado ou levasse um tombo, bastaria levantar, bater a poeira e reiniciar tudo de novo. Imaginava que depois de “maduro” ficaria tudo mais difícil. Esse pensamento certamente movia-me aos vinte e nove anos de idade. Foi nessa época que mudamos para um chalé singelo afastado cerca de dez quarteirões do centro, onde até então vivera com minha pequena família. O prédio ainda revelava vestígios de alguma suntuosidade de um tempo algo distante. Fachada alta protegendo uma ampla área com soberbas colunas em alvenaria e piso já carecendo de restauração. Paredes de tábuas machambradas, em madeira de pinho, bem conservadas. Cobertura com telhas francesas, de barro, seguindo um modelo clássico de quatro águas mais o expoente cobrindo a referida área. Ao fundo, o prédio era construído em alvenaria de tijolos duplos rebocado de forma um tanto rústica. Porta da frente de ótima madeira de lei, com vidro e grade metálica a guisa de proteção. As janelas em razoável estado de conservação com vidros e venezianas. A porta dos fundos estava pedindo manutenção na fechadura, para melhorar a segurança. Contíguo à cozinha ficava só o banheiro incompleto, sem privada. O WC distanciava uns 5 metros, embaixo da caixa d'água, por trás de um galpãozinho que servia de garagem e outras serventias. Dois portões davam acesso ao galpão e a área da frente da casa. Na frente ainda permaneciam alguns gladíolos em meio a dois ciprestes baixos. Ao lado, a esquerda de quem chegava, três pés de Primavera, em linha. Um pé de mimos-de-vênus, roseiras e margaridas completavam o outrora belo jardim. Ao lado da garagem um Ipê amarelo, tendo em baixo um velho poço d'água desativado. Na frente da garagem era gramado irregular.

O terreno era todo cercado com tela de arame. Na frente junto à entrada pra garagem um pé de “unhas-de-gato” completava o cenário. Ao fundo ficavam diversas árvores frutíferas: Macieiras, pereiras, laranjeiras, mamoeiros, limoeiros, bergamoteira, goiabeiras e uma pequena videira parcialmente encoberta por um caquizeiro e ladeada por uma ameixeira amarela, por sinal muy dulce. Tinha mais. Uma touceira de Vime, um butiazeiro molar, um pé de angico e taquareiras ao fundo, completavam nossa chácara, cujo terreno, equivalente a dois, media em torno de 900 metros quadrados. Nesta singela e edênica chacrinha, certamente vivi muitos dos melhores dias de minha vida, juntamente com meus amados filho e esposa.

Muita coisa exigia manutenção ou restauração. Apesar do braço engessado consegui pintar a parte de madeira da casa. A de alvenaria era pintada de azulão já desbotado, deixei ficar assim. Logo reiniciaram as aulas na faculdade. Tomavam todo meu tempo. E ainda tinha que fazer fisioterapia e revisão no braço direito que não consolidara, devido minhas imprudentes atividades na moradia, certamente. Todos os familiares sabiam disso. Aos médicos, jamais falei coisa alguma. Certo é que vivemos momentos muito gratificantes no pomposo chalé. Tentarei recordar alguns no próximo relato.

COM OS PÉS NO CHÃO

A Natureza é mesmo esplendorosa em todas as suas manifestações. Como a capacidade humana para percebê-las é individual, limitada e circunstancial, na maioria das vezes podem parecer-nos manifestações do acaso. Não entro na fileira dos que apresentam o acaso como bode expiatório para eventual situação desfavorável. Necessariamente teria que admitir que uma situação favorável, também seria fruto acidental. E minha consciência, burilada por quase seis décadas, como se comportaria? Forçoso me é reportar à idade de sete anos quando recebi a enxadinha com cabo de guajuvira. Era um regalo impregnado de segundas intenções. De primeiras intenções também, tanto que até me alegrou. Um tipo de alegria só experimentado por quem fora guri nas circunstâncias da época. Não será necessário identificar as segundas intenções, por óbvio, creio.

Certamente que era a maneira de iniciar os pequenos humanos nas lides que lhe iam assegurar a subsistência futura e de sua descendência, garantindo a perpetuação da espécie. Esse costume vinha de tempos primevos, quando os ancestrais sentiram escassez de frutos, pesca e caça. Era a Natureza, paulatina e sutil com suas leis, preparando o homem para conviver harmoniosamente com a mãe terra. Claro que em dado momento a população aumentou e com ela o consumo. Foi necessário produzir mais. Surgiram a ganância e a concorrência desleal; e os homens começaram a se desentender. Assim visto não me parece obra do acaso. Entendo como conseqüência. Mas esta por si só não existe. Ela “é” ou “existe” por ou perante a Causa. É a lei de Causa-Conseqüência ou Causa-efeito. Lei Maior Cósmica que rege todas as demais que disciplinam o macro e o microcosmo.

Minha família era um pequeno mundo onde cada um de nós teria de interagir com os outros dois, buscando assegurar a harmonia e o bem estar do todo. Muitas noites de insônia, preocupados com o futuro na nova moradia. A sorte fora lançada. A transferência do alto apartamento para a casa térrea foi finalmente realizada, rodeada de muitas controvérsias. O apê era mais seguro contra criminosos, mas inseguro para o menino, naquela idade. Ele tinha já aprontado para sua mãe que milagrosamente o segurou pelos pezinhos, tendo metade do corpo pra fora da sacada do quarto andar! Nessa época ela já acusava os efeitos da deficiência auditiva, decorrente da severa, e já referida, antibioticoterapia. A casa não apresentaria esse problema. Outros talvez. O tempo mostrou mais acertos em nossa decisão. Não era nem arremedo de chalé suíço, mas nos acolheu e agasalhou por cerca de cinco belos anos. Fará por merecer uma descrição mais demorada, brevemente. Por oportuno, lembrarei que eu continuava com gesso no braço direito e parte do braço esquerdo. O capacete de gesso e as amarras nos “queixos” tinham sido removidos. Eu passava o tempo todo mascando goma para recuperar os movimentos mastigatórios. Até há pouco tempo, eu ainda surpreendia os menos avisados com o ruído dos maxilares se ajustando nos encaixes dos ossos crânio-cefálicos.

A despacito fui abolindo os acessórios corretivos. A cânula inox da traquéia foi removida mais tarde. Não afetou muito minha voz de taquara rachada. Também espero não ter que cantar mais nada nem ninguém. Ah! Afugentei alguns amigos com a “mudança pra pior”. Conservei alguns menos exigentes. Outros comentaram com seus pares que acreditavam ter eu “abilolado”. Conclusão a que chegaram ao me verem caminhando meio “derreado”, mascando chiclete e massageando uma bolinha de tênis. Por sinal, esta ficou mais careca do que estou agora. Tinha deixado desenvolver uma barbicha que lembrava o Salsicha, companheiro do Scooby-Doo.