terça-feira, 6 de outubro de 2009

BEM EMPREGADO

Foi como num piscar de olhos. Eu estava dando uma guinada de 180 graus. Desligara-me da farmácia onde percebia modesto salário, que mal cobria minhas despesas pessoais, embora estivesse paralelamente cursando faculdade de Farmácia. Alguns dias depois estava contratado pelos Laboratórios Parke Davis Ltda. Uma versão brasileira da, então poderosa, multinacional Parke Davis Lab. Co, de Detroit, Michigan, USA. Passaria a ganhos, que incluindo salário, comissões e prêmios, superavam dez salários mínimos da época; mais todas as despesas de viagens pagas. Era uma dinheirama. Para ganhar tanto assim teria que produzir. Não tive dificuldade no treinamento. Era uma linha de produtos farmacêuticos, bem conhecida e respeitada. Teria que conquistar o receituário através de propaganda direta aos médicos, onde quer que estivessem. Nos consultórios particulares, hospitais ou clínicas. Depois era só passar nas farmácias, “conferir as receitas conquistadas” e tirar o pedido comercial.

A cobrança era feita via duplicata bancária. Em alguns casos raros, a cobrança era direta ou “em carteira”. Nesses casos, havia comissão de cobrança para o vendedor. E deu muito trabalho o controle das fichas de visitação médica, e do freguês. À noite, no hotel, realizava os relatórios diários de venda, cobranças e de despesas de viagem. Estes, por vezes, eram feitos durante os deslocamentos, quando em trens. De ônibus nem pensar! As estradas “carreteiras” sacolejavam muito. Deveria estudar constantemente os produtos do catálogo e bulário dos medicamentos, para adquirir base e argumentar junto aos médicos. Periodicamente eram feitas avaliações escritas sobre os produtos, especialmente quando comparecíamos à filial em Porto Alegre. Nessas ocasiões confraternizávamos com outros colegas do interior e da capital. O ambiente era deveras satisfatório. Gradativamente, ia esquecendo que fora acadêmico de Farmácia por algumas semanas. Tinha até trancado a matrícula. Fato que repeti nos dois anos seguintes. Estava ganhando tanto dinheiro que não sentia necessidade de estudar mais. Estava “feito na vida” aos olhos da família e de alguns “amigos da onça”. Único inconveniente eram as longas viagens. A área de abrangência com cidades de bom tamanho e muito distantes, obrigavam-me a ficar distante da sede em Santa Maria, às vezes por até duas semanas. As ausências, da noiva e demais queridos me inquietava.

Foi por essa época que aluguei a tal casa, juntamente com um ex-companheiro de farda, de escola e de sótão, e que agora cursavam Medicina. Vieram com ele mais dois amigos e contemporâneos de caserna, quando ficara reengajado, no quartel. Quatro ao todo. Perfeita harmonia e amizade. Eu ficava pouco em casa. Somente alguns fins-de-semana, quando trabalhava exclusivamente na cidade de Santa Maria e arredores. Nessas oportunidades fazíamos alguma farra. Às vezes aprontavam com suas molecagens, mas a parceria era realmente muito grande. Tanto, que algum tempo depois, eu, muito bem de grana; os convidei para alugarmos um “apê”, bem no coração da “cidade-coração”. Mais molecagens se sucederam. Lá pelas tantas, um aumento polpudo no meu salário, levou-me a acertar com minha perseverante noiva a data de nosso casório. Ah! Quanto ao “apê”, fui o primeiro a abandonar o barco. Em breve, outro amigo seguiria meu exemplo. Por sinal, dois desses parceiros seriam testemunhas de meu casamento. Um deles, brilhante médico, na cidade gaúcha de Tupanciretã é casado com uma farmacêutica, minha colega de turma. O outro, que era bancário, parece ter se cansado deste nível de existência e se foi “pregar peças para São Pedro”. O terceiro companheiro, um militar de carreira, perdi de vista. A Inteligência Infinita que os ilumine e guarde. Onde se encontrem. Todos saudosos.

O amigo bancário tinha sempre uma anedota hilariante ou um causo inédito para nos contar. Dele ouvi pela primeira vez a estória de um certo gaúcho que teria laçado um avião, lá mesmo, na região da Boca do Monte. Várias vezes ouvi contarem como fato. Hoje são citados até familiares dos envolvidos no episódio. E são vistos como fonte de referência, confiáveis. O tal gaúcho era peão de uma estância de gado, das redondezas. Andava ajuntando os animais, quando um avião monomotor tipo "teco-teco" começou a tirar rasantes e a dispersá-los. O jovem campônio não se intimidou. Desamarrou o laço de dezoito braças dos arreios e armou uma grande laçada e ficou na espreita. Quando o “pássaro mergulhou” em novo “fininho”, ele jogou o laço, e suas alças se enrolaram nas asas e no bico do dito cujo, que ato contínuo, foi perdendo força e altura e acabou “solando”, ali mesmo no campo. O “campeiraço”, um tanto assustado, temendo o pior, foi conferir. Encontrou o piloto perfeitamente salvo e “são de lombo”'. Só um pouco assustado, pois o avião, muito pouco avariado, era do Aeroclube de Santa Maria. Alguns contam que o piloto foi expulso do aeroclube. Fato é que o piloto malabarista estaria fazendo graças para sua namorada, residente ali nas redondezas, quando sua manobra acrobática foi interceptada pelo certeiro laço do peão. Resultou daí, concluir-se que os dois jovens eram exímios em suas artes. Dessa vez, porém, o aviador, tinha, sem dúvida levado a pior. Várias vezes ouvi contarem esse mesmo causo, sempre com algum requinte adicional e a pretensa imposição de ser verídico.

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