Não fora nessa e nem seria nas seguintes oportunidades durante os próximos trinta e nove anos que eu conseguiria o ''visto'' em meu passaporte para o outro nível de existência. Certamente deveria existir um motivo para que aos vinte e oito anos, ainda incompletos, me fosse denegada a passagem para o “outro mundo”. Disso eu já sabia, mas não compreendia naqueles áridos dias de novembro de 1970. Acontece que no livro conta-corrente cármico de minhas existências constava, e certamente ainda consta, uma página com a coluna débito com pendências irrevogáveis. Estas pendências ser-me-ão cobradas até o último centavo. Hoje eu sei e compreendo o significado inflexível da Lei de Causa e Efeito. ''Devo, não nego! Pagarei quando puder." Resta-me tentar buscar um entendimento com a Suprema Inteligência Universal no sentido de que minhas dívidas me sejam cobradas parcimoniosamente. Como, de resto, creio vem ocorrendo nesta encarnação. Pois das outras vidas passadas não me é dado perscrutar no atual patamar de sabedoria que penso dominar. O Proto-Mártir do Cristianismo costumava ensinar: "A casa de Meu Pai tem muitas moradas". Tentarei continuar lutando com coragem, temperança, persistência e resignação para poder merecer habitar uma dessas moradas; em cada uma das muitas vezes que, imagino, ainda necessitarei incursionar, na busca do aperfeiçoamento.
Após tantos anos passados do infausto acidente, ainda me questiono de onde tirei eu condições psíquicas para administrar a existência de minha pequena família. Nunca fui modelo de serenidade. Já disse, sou temente a Deus. Certamente vertem daí todos os recursos de que tenho me servido para manter o barco da vida singrando os tenebrosos e encapelados mares desta existência. Não entrarei em detalhes decorrentes de atos profissionais médicos a que fui submetido. Creio que todos os profissionais obraram profissional e conscientemente, como lídimos juramentados de Hipócrates e sacerdotes de Esculápio(ou Asclépio). Forçoso é recordar que o acidente ocorreu ao anoitecer do dia oito de novembro. No dia onze pela manhã, paulatinamente, eu adquiria a noção da dimensão do estrago que este “bloco de barro” organizado havia sofrido. Ouviria muitas sentenças do tipo “não era a hora...”, '”o que é ruim não morre...”, ou “escapou por milagre...” Todas, a seu modo, com um pouco de razão. Não sei se por caridade ou por qual outro sentimento, não recordo de ter ouvido dizerem que meu passaporte fora suspenso devido ao fato de estar eu endividado e ter assumido o compromisso de resgatar minhas pendências, ainda nesta viagem. Eu chegaria a esta conclusão bem mais tarde.
Fato é que entre cirurgias de emergência e corretivas, alternadas com sessões de fisioterapia e mangas de gesso, haste de aço sustentando o antebraço direito e fios de aço amarrando os maxilares acarretaram-me novos hábitos alimentares. Passei noventa dias bebendo as famosas vitaminas. Pois falar em “batida” deste ou daquele fruto ou alimento era falta de consideração para quem tomara uma ''batida'' de automóvel e agora estava ali, que nem o Ciborg - O homem de cem milhões de dólares. Com a graça Divina aos poucos fui juntando os pedaços e tentando a reconstrução da minha vida e da minha pequena família. Não esmoreci em momento algum. Minha esposa e filho eram meus maiores incentivadores. Pela manhã, às vezes, deixava-me ficar na cama e fingia estar dormindo. Aí vinha meu filho passar a mãozinha no meu rosto e abrir minhas pálpebras com seus dedinhos rechonchudos ao mesmo tempo em que recomendava para eu levantar para “fazê zicício”. Referia-se ele às provas de fisioterapia a que eu devia submeter-me para tentar recuperar os movimentos.
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