quarta-feira, 7 de outubro de 2009

VALORIZAÇÃO EM ALTA

Deus escreve certo por linhas tortas. Quantas vezes já ouvimos esse conhecido ditado popular e não lhe prestamos a devida atenção? Pois assim sucedeu comigo nos primeiros dias após a aventura da noite passada dentro de um “fuca-pé-de-boi”, por solidariedade ou companheirismo ao colega viajante. Pagara um “mico”, repetiria algumas vezes, concordando com algum outro colega que não tivera experiência semelhante. Com o tempo, esquecemos as coisas pequenas ou sem maior importância, pois aquele não fora um acontecimento sem importância; pelo menos para o companheiro viajante vendedor, como eu. Tinha ele, em seu catálogo um produto diretamente concorrente de um que eu vendia. E vendia bem. Eu fazia uma propaganda “científica”. Era razoável vendedor. Não um ''atochador''. Tinha cara “firme”, de cobrador. Embora casado recentemente, eu percorria todo o território, religiosamente. Por vezes ficava ausente por até doze dias. Depois que adquiri carro, esse período caiu para não mais que uma semana. Passei a ser bem visto por outros colegas e até por supervisores de outros laboratórios. De quando em vez uma sondada:

- Não estava cansado daquela rotina tão longa? Não gostaria de trabalhar numa firma que desse carro? Seduziam.

No início respondia estar plenamente satisfeito. O ambiente em minha empresa era deveras bom. Eu sentia-me prestigiado. Único desgosto: Eu não tinha carro! Também não era tão ruim assim. Fora bem pior na década anterior. Normalmente viajava durante três semanas e ficava o restante do mês trabalhando em Santa Maria, junto de minha esposa e o futuro rebento. Ficamos morando juntos com “os sogros” até nosso menino nascer. Depois mudamos pra o novo “apê”, que finalmente recebera o habite-se.

Estava tudo correndo a contento. Minha firma tinha feito uma reestruturação nos setores de venda. Suprimira algumas cidades com poucos médicos. Eu ficara prejudicado. Muitas cidades pequenas, entre elas, minha inesquecível Cacequi, não mais seriam trabalhadas. Não gostei. Datilografei um longo e estribado relatório mostrando que aquele equívoco me traria muito prejuízo. Eu vendia bem nas cidades pequenas onde o investimento era menor. Nas cidades maiores tinham mais médicos, mais farmácias. Aumentavam as despesas de toda ordem, inclusive com hospedagem e amostras para os médicos. Não fui ouvido. Era ordem superior. Não tinha volta. Passou. Coincidência ou não, por esses dias, um viajante que há algum tempo, me havia sondado, tornou a me “cutucar”'. Desta vez acenou com um carro. Mostrou-me o olerite de seu último salário e comissões. Era convincente. Quanto ao carro, eram favas contadas, dizia. Se a firma não tivesse carro disponível pra mim, compraríamos um e cobraríamos por km rodado, até a firma conseguir o carro. E garantiu: Sem carro eu não ficaria nem mais um dia.

Era véspera de ir a reunião em porto alegre. Falei-lhe da mesma e prometi que se minha atual firma não revisasse suas decisões, eu me transferiria para a sua e ficaria no seu lugar. Pois ele fora promovido a supervisor. Viajamos juntos para a capital. Apresentei-me na minha, ainda, empresa, já “picado pela mutuca”. Alguns colegas mais velhos tinham sido despedidos. Mais cortes viriam. Começada a reunião, um alto funcionário internacional, apresentou as novidades. Falava muito mal. Em péssimo “portunhol”. Ambiente pesado. Colocou a palavra a nossa disposição. Ninguém se manifestando. Solicitei a palavra e permissão para falar em pé. Manifestei minha tristeza pelas mudanças. Já sentia o resultado nas minhas vendas. Todos sentiriam. Meu setor era o único que não tinha carro. Mesmo assim estava com resultados satisfatórios. E agora com mais aqueles colegas dispensados. O que eu, recém-casado, poderia esperar? Insegurança eu não podia aceitar pra minha família. Sendo assim, eu inclinava-me, a acolher o convite de outra empresa que parecia valorizar mais meu trabalho. E solicitei dessem saída em minha carteira naquele mesmo dia. O amigo gerente mostrou-se desapontado. Dizia que eu não tinha motivo para tomar aquela atitude. Tornei a alegar insegurança. E o carro prometido e não recebido. Não tinha retorno. Já pedira desligamento. Passaria à tarde para acertar as contas e buscar a carteira de trabalho liberada. Pedi permissão para retirar-me e fui almoçar com o futuro supervisor que esperava em uma Lanchonete do centro da capital. No dia seguinte meu novo contrato seria anotado em minha carteira profissional.

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