sexta-feira, 27 de novembro de 2009

NACOS DE AFEIÇÃO

Por mais que eu pretenda esmiuçar minhas recordações, o cenário em que vivi até aproximados cinco anos de idade, se me apresenta na maior parte obscurecido. Não avançam muito mais além das avermelhadas e poeirentas Estradas de Belém durante as estiagens do verão. Essas, nos invernos e épocas chuvosas, apresentar-se-iam marcadas por profundos sulcos e buracos enlameados, onde vez que outra surpreendíamos um emblemático joão-de-barro, familiarmente tratado por "joão-barreiro"(Furnarius rufus)coletando 'argamassa' para construir seu 'palacete' no cimo de algum 'moirão' de alambrado que limitava a 'carreteira' e os campos repletos de gado de corte ou de lã. A área que minha família administrava, em 'pequenos cercados', estava sempre 'trabalhando' de acordo com a estação do ano e o clima. Em certos anos alguns desses potreiros ganhavam 'descanço'; aí crescia a grama que servia de pastagem para o gado que dela se alimentava e cujos os dejetos 'estrumava' a terra, adubando-a assim para novas e diversificadas culturas de milho, feijão, batata-doce, mandioca, amendoim, e hortifrutigranjeiros imprescindíveis para nossa subsistência e à criação doméstica. Hoje a soja e o arroz constituem as culturas preferenciais naquelas terras. Nas manhãs dos rigorosos invernos os campos cobriam-se por vasto lençol de 'geada'. Do alto onde se situava nossa Casa e galpões a monotonia da planície rasa era quebrada por algum açude de espelho azul-esverdeado. Ou então era um prateado e serpenteante filete que fendia o solo formando delgadas boçorocas,ou sangas de águas claras, que finalmente se iam esconder em meio ao mato nativo que recobria a planície até as proximidades do sopé da colina conhecida como 'seio-de-moça'. Esta, com o ápice rochoso desnudo e torneado, justificava o nome pelo qual era/é conhecida. Mais adiante o Cerro do Loreto, um tanto imponente, separa essa região da 'picada-dos-farrapos', já mencionada no primeiro capítulo deste ensaio. Ao longe, quase na linha do horizonte, o Cerro da Glória, como que alinhado com os outros guarnece, embora à distância, já na região da fronteira(entre os municípios de Rosário do Sul - Santana do Livramento) a, ainda hoje lendária Serra do Caverá à sudoeste do Loreto, este no distrito de São Vicente do Sul, minha terra natal. Para nordeste, ao se alinharem com o morro do Chapadão, nas cercanias da cidade de Jaguari, vão se constituir nos prenúncios dos contrafortes da Cadeia São Martinho que emoldura o norte da cidade de Santa Maria com os Morros da Caturrita, Santo Antão e Cechela. Aqui, através da Estrada do Perau, pelo Campestre do Bairro Menino-Deus e pela ponte sobre o Vale-do-Diabo, no rio vacacaí-mirim, é realizada a integração entre a metade sul e a metade norte de nosso Estado, em plena região da Depressão Central. A cidade de Santa Maria foi, por muito tempo, conhecida com o complemento 'da Boca do Monte', justamente por sua situação na região onde o viajante abolindo a planície é envolvido pela seqüência de morros que se sucedem para nordeste de nosso Estado. O desenvolvimento da pecuária de corte e a intensificação da agricultura, em ambos os casos, visando principalmente o mercado de exportação, certamente terá modificado sensivelmente aquele cenário ainda presente na minha memória dos anos 50/60. A supressão do transporte ferroviário de passageiros e de pequenas cargas e encomendas, trouxe como resultado o isolamento e a consequente desaceleração, e mesmo estagnação, da atividade econômica e social de várias cidades gaúchas. A abertura de rodovias intermunicipais e alimentadoras além das rodovias estaduais e federais, por onde outrora corria a 'estrada real'- por muitos conhecida por 'carreteira' - redesenhou muitas regiões e modificou acessos a cidades e interior de municípios. Terá isto ocorrido com as regiões que me viram nascer e crescer. Em conseqüência encontro dificuldade para resgatar através da memória o cenário que presenciou minha existência nos primeiros anos. Terá ocorrido alguma espécie de 'bloqueio' ou de rejeição em determinada área de meu cérebro, onde deveriam estar registradas e 'arquivadas' as informações experienciais daqueles dias?. Ou devo rever minha expectativa buscando quiçá um 'critério seletivo' de alguma área cerebral cujo 'registro' e 'arquivamento eletivo' seja capaz de justificar o 'recordar' certos fatos e o 'esquecer' outros. Estas e outras divagações se alinham e acabam por convergir para uma resposta que só com o tempo,talvez, poderei concluir como acertada. Por enquanto fico com a conclusão resumida na máxima que sentencia: "a soma total de todas as minhas supostas certezas é infinita e imensuravelmente insignificante comparada com a soma total de todas as absolutas incertezas que me dominam".

2 comentários:

Pauta Cifrada disse...

O computador é como nós...
A memória permanente(HD) com os registros maiores e importantes...

E a memória temporária(RAM)para os armazenamentos de importância efêmera.

Os provedores de internet, mal comparando, seriam as memórias gigantescas dos registros acásicos.
Só que para estes, o armazenamento não é compulsório. Depende de nosso upload( o envio de informações para a rede).

Dezembrino de Oliveira Coelho disse...

Valeu amado PAUTA CIFRADA!!!, essa explicação alivia um pouco a preocupação do 'véio'.Já me estava considerando mais caduco do que realmente 'pareço'. Como precaução vou providenciar uma 'recauchutada' na placa da memória. Eheheeh