sábado, 3 de outubro de 2009

DA DROGARIA PARA A FARMÁCIA

Fui pra casa de meu irmão padeiro com o qual morava minha mãe. Estava tudo bem. Com eles passei a noite. Pela manhã tomei a maleta, já arrumada na véspera. Tinha pouca roupa. A maior parte não mais me servia. Despedi-me de meus queridos e comecei a dar de rédeas pro Cacequi. Venci os quarteirões do bairro e cheguei e ao centro de Santa Maria. Um pensamento ocorreu-me, então: “E se eu conseguisse um emprego!” Poderia ficar junto dos meus e não precisaria perder mais um semestre de ginásio com a transferência de volta para Cacequi. Com esses pensamentos, seguia em busca da estação ferroviária, de onde às 8h40min tomaria o trem. Parei de súbito! Justo na frente de uma farmácia que acabara de ter a cortina levantada por um casal já maduro. Desejei-lhes bom-dia. Corresponderam e puseram-se “às ordens”. Apresentei-me. Disse-lhes que era reservista, liberado no dia anterior. Naquele instante estava me dirigindo à estação ferroviária. Ia tomar o trem que levar-me-ia para reassumir meu ofício de auxiliar de farmácia, do qual tinha me licenciado para prestar o serviço militar. E emendei:

- O senhor e a senhora estariam necessitando de um auxiliar de farmácia?

- Sim, mas tem que ter experiência em manipulação. Respondeu a senhora, muito alegre e entusiasmada. Expliquei que tinha experiência e estava disposto a dar provas disso. Bastava ela mostrar seu laboratório de manipulação e o livro de registro das prescrições médicas. Mostrou-me. Fui dando explicações e mostras convincentes de familiaridade com o ofício. Argumentou que era uma empresa pequena, não podia pagar mais que o salário, acrescido de comissão sobre a produção, além de participação em curativos e injeções.

- Me serve, respondi. Perguntou quando eu poderia começar.

- No dia seguinte, certamente. Tudo combinado. Despedi-me com o “até amanhã”. Dei de mão na maleta e retomei a direção da estação ferroviária. Às onze horas estava chegando no Cacequi para uma estadia relâmpago. Apresentei-me na antiga farmácia e já fui dizendo que não ia continuar. Formalizei o pedido de desligamento em carta dactilografada ali mesmo. Nem prestei muita atenção no desapontamento do antigo chefe, que assim mesmo, colocou-se à minha inteira disposição. Caso alguma coisa saísse errado, as portas daquela empresa estariam sempre abertas para mim . Agradeci. Despedi-me e passei na casa do antigo companheiro, onde tinha morado algum tempo. Destinei umas coisas que lá eu havia deixado. Almocei com os amigos, que se diziam desapontados. Nem lembrei de ver a “querendona”. Agora, quase um ano depois, eu deixava novamente o Cacequi, desta feita pra não retornar tão cedo. No dia seguinte às oito horas, estava eu na frente da nova farmácia a que iria agora dedicar-me, na cidade universitária de Santa Maria. Trabalharia durante o dia e estudaria à noite. Nunca repeti uma série. Trabalhei aproximadamente um ano nessa farmácia e fui convidado para ser representante de um laboratório industrial farmacêutico. Bom conhecedor das especialidades farmacêuticas e desenvolto no trato com as pessoas, eu seria propagandista-vendedor-cobrador. De quando em vez era necessário sair da cidade. Para ir a localidades vizinhas ou para assistir reuniões na capital dos gaúchos, a muy valorosa Porto Alegre.

Concluí o ginasial e o primeiro ano Colegial (científico) estudando e trabalhando nessa empresa, onde fiquei mais de três anos. Em 1965 pedi transferência escolar para o, então famoso, Colégio Estadual Manoel Ribas, pelo fato deste estar preparando os alunos que se destinavam a área tecnológica. Eu pretendia cursar engenharia. No início foi tudo muito bem. Depois alguns professores decidiram não mais abonar minhas faltas, quando eu saía para as viagens. Argumentei que os antigos professores sempre foram compreensivos e acolheram, até porque meu aproveitamento sempre fora satisfatório. Um deles até revelou surpresa com meu aproveitamento em matemática, que ele ensinava. Discutimos. Disse-lhe que estava a valorizar sua matéria. Em verdade eu nunca tivera maiores dificuldades com essa disciplina. Em resposta fui impedido de continuar assistindo suas aulas. Fui admoestado, ainda, de que sem aquela matéria eu não venceria a barreira do vestibular. Retruquei. Ele não tinha poder para me impedir de passar no vestibular. Ele o veria. Dei meia volta. Passei na secretaria e relatei à Diretora do educandário o ocorrido. Pedi cancelamento de matrícula no “Maneco”. Lamentou. Era uma Mestra e Amiga.

Passei num curso pré-vestibular e matriculei-me. Paralelamente, me inscrevi no exame de Madureza, que era uma modalidade parecida com o ENEM, dos dias atuais. Assim trabalhava durante o dia. À noite assistia aulas do pré-vestibular, e tomava aulas particulares de francês aos sábados de tarde. No exame Madureza, matemática não era obrigatório. Não a incluí. Substituí por francês. Não queria mais Engenharia. Faria vestibular de ciências da saúde. Afinal tinha alguma afinidade com essa área. No meio do ano passei em quatro ou cinco matérias tidas como mais fáceis. Entre elas, a geografia. Continuei no mesmo ritmo no trabalho e no pré-vestibular. No fim do ano dei sorte outra vez, passei novamente. Desta vez eliminei Química, Física e Biologia. De posse das folhas modelo 18 e 19 (conclusão do ginasial e colegial) fui fazer inscrição para prestar o vestibular no início de 1966. Na fila da inscrição encontrei meu antigo amigo, ex-companheiro de quartel, de escola e de sótão. Surpreso, quis saber o que eu estava fazendo ali. Respondi: O mesmo que ele. E expliquei minha “maratona”. Nós dois faríamos vestibular para Medicina. Ele como única opção. Eu, um tanto inseguro, tentaria assegurar uma vaga na Farmácia, em segunda opção. Passamos os dois. Ele conseguiu boa classificação na Medicina. Eu, embora, passado na média geral, ficara com nota muito baixa em biologia, imprescindível na medicina. Classificado entre os excedentes da Medicina, fui chamado na Farmácia. Por muito tempo carreguei o trauma de ser aluno da “FARM” (Faculdade dos Alunos Reprovados na Medicina). E aqui começa uma outra etapa de minha atribulada carreira.

Um comentário:

Pauta Cifrada disse...

E a querendona?

"nunca mais a vi em meu gauderiar andejo
por vezes em sonho a vejo num bárbaro frenesi
Talvez ande por aí, perdida nas madrugadas
Quem sabe seja um estrela xirua
Dessas que se banham nuas
No espelho das aguadas,"