Lá pelas tantas caiu a ficha! Foi numa época em que modestas companhias teatrais e circos com várias atrações faziam escala no Cacequi. Francisco Alves, Carmem Miranda, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, e até Carlos Gardel; entre muitos outros, eram imitados na ribalta dos palcos cobertos com lona. Alguns domadores de leão "mui fajutos”, já na época. Dançarinas, belíssimas, por sinal. Trapezistas, mágicos, imitadores e até lutadores de boxe. Creio que influenciado por estes últimos, é que andei querendo me iniciar no pugilismo.
Recobrei o juízo e concentrei a atenção na farmácia. Afinal daí saía parte de nossa subsistência. Meu irmão mestre-padeiro tinha recebido 'baixa' com Certidão de Reservista de Primeira Categoria. Havia terminado seu tempo de serviço no Exército, onde dera show na padaria da caserna. Tanto que o convidaram a reengajar-se. Declinara a aceitar. Tinha emprego garantido. Retornou e reassumiu seu posto na antiga padaria. Novamente respiramos um pouco mais aliviados, pois esse irmão era muito solidário com a família. E o seria para o resto de nossas vidas, como veremos mais adiante. Tão comedido, sempre fora, que até alguma economia tinha feito no quartel. Em que pese o miserável soldo pago aos convocados.
Com meu 'caixa' um pouco mais folgado passei a fazer algum investimento. Incrementei o guarda-roupa, comprei uma bicicleta de segunda mão, muito 'buena', das importadas, marca Axel. Com ela eu cortava as ruas como um corisco. Me fez ganhar várias corridas apostadas sempre "às brincas" conforme o linguajar da época. Isto motivado por estar eu ressabiado de perder no jogo de 'bolitas' quando me 'depenavam' até a 'jogadeira'. Pra quem não foi 'guri', esta é a 'bolinha-de-ouro', com a qual se procura 'acertar' a bolinha adversária. "Às devas" ou apostas sérias, nunca mais. Doravante apostaria no trabalho e estudo, somente. De vez em quando um banho no Rio Cacequi, com os amigos.
Numa dessas oportunidades decidi ser torcedor do 'imortal tricolor' dos pampas. Meus amigos eram torcedores do arqui-rival. Assim, o glorioso Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense naquela tarde domingueira ganharia mais um torcedor 'pé-quente' e também mais um ouvinte do clássico Gre-Nal. Vale dizer que o jogo fora escutado em um receptor transistorizado com ondas AM e de 49 metros, de minha propriedade. Sintonizado nas ondas da jovem e prestigiosa Rádio Guaíba, na voz metálica do saudoso Pedro Carneiro Pereira no comando da "jornada esportiva". Estaria secundado pelo não menos famoso Amir Domingues, que por sinal, diziam, tinha parentes naquela cidade.
O aparelho era mais um meu investimento. Marca Teleunião. Luxuoso revestimento de couro natural, fabricado em Porto Alegre, nos áureos tempos. Depois o mercado nacional seria pulverizado com miniaturas japonesas e de outras procedências, em detrimento da indústria sulina e nacional. Com fechamento de postos de trabalho e inibição da arrecadação de impostos. Era o último grito. Orgulhoso, eu desfilava com o radinho de goela aberta a todo volume. De manhã cedo, em direção ao trabalho na farmácia, eu fazia algumas pessoas abrir a janela para conferir. Geralmente era o Cesar Ladeira na Rádio Record de SP conclamando os sertanejos a ouvir Silvio Caldas. Outras vezes era o Barros Alencar na Rádio Tupy do Rio de janeiro, "O Cacique do Ar". Fiori Gigliotti, na Bandeirantes de SP, comandava o futebol. Na Farroupilha, de Porto Alegre, Luiz Menezes e Darci Fagundes comandavam “O Grande Rodeio Coringa” sob a chancela da São Paulo Alpargatas.
Por sinal as famílias se reuniam, às vezes, para ouvir esse programa tradicionalista. Uma das grandes atrações era o seu Amaranto Pereira, lá de Encruzilhada do Sul que fazia um baita sucesso com seus causos. Um desses “verídicos”, no dizer dele, referia-se ao motivo de ter “queimado o assado”, ou, chegado tarde ao "Grande Rodeio Coringa", por causa de um vento muito forte, daqueles de “trocar burro de invernada”! Esse vento era o culpado por sua impontualidade. Tinham, ainda, os programas 'Amanhecer na Querência' e 'Violeiros e Cantadores', dirigidos pelos cantores-apresentadores 'Cardeal-de-Ouro' e seu companheiro, formando a dupla sertanejo-gaúcha "Cerejinha-e-Santinho" na rádio Imembuy, de Santa Maria da Boca do Monte. Isto é uma pálida reminiscência, apenas, dos gloriosos dias no final da década 1950/60. Vou tomar um gole de "amargo bem cevado" pra me abrir mais um pouquinho a cachola por causa da “relancina” que começa a "manquejar"!
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