Em meados de junho de 1961, eu deixava Cacequi, já com saudade. Aproximadamente às 14 horas. Era mui raro o trem para Santa Maria partir no horário. Especialmente nas segundas-feiras e nos sábados devido às longas 'despedidas', se me faço entender. Alguns mais próximos, os filhos de meu colega na farmácia, muito amigos e 'quase-irmãos' por cerca de um ano também foram à plataforma da estação me desejar sucesso na empreitada. Alguns até diziam: "Até sábado! Eles vão te mandar de volta". No embarque não faltou uma ''aparente querendona” para conferir, afinal, no fim-de-semana anterior já havíamos 'fortalecido nossas intenções', por conta do próximo dia dedicado a Santo Antônio.
Fato é que o maria-fumaça, lenta mas resolutamente, começou a deixar a gare da estação férrea do Cacequi. Nele retirava-se um ex-meeiro. O mesmo que dez anos atrás, ali chegara, vestindo calça-curta 'tobiana' e 'chancletas' carcomidas no 'garrão'. Agora já guindado a auxiliar de farmácia, seguia todo enfeitado, que nem peru no Natal. Com promessa de alguma coisa mais no 'porvir', parti, 'contrariado que nem gato a cabresto'. Não tinha retorno. A Pátria não podia prescindir de seus filhos como Reservistas. Hoje é diferente. Ela até acena com a promessa de brilhante e rentável carreira. Olha aí o 'herói da trama', mais uma vez.
Com as idéias todas em rebuliço, dei com os costados na estação férrea de Santa Maria da Boca do Monte. O irmão mestre-padeiro me esperava, sempre muito solidário. No exercício da fraternidade sempre foi exemplar. Mamãe e o irmão Dartagnan estavam ótimos. A Irmã Religiosa estava por juntar-se a nós. Quanto ao quartel, “Que nada... Vai dar tudo certo, como deu pra mim”, dizia o mano. Ledo engano como veremos mais adiante. Muitos 'pepinos', 'abacaxis' e 'bananas verdes' tive que 'descascar' ou deixar 'amadurecer' antes de consumi-los. Mas com as Graças de Deus, aos poucos as coisas se iam resolvendo. Cacequi já era página virada. A preocupação era com a apresentação ao Serviço Militar. Começaria no dia seguinte.
Da estação férrea, seguimos imediatamente para casa de meu irmão padeiro. Mamãe veio nos encontrar. Estava com bom aspecto físico. Embora com o semblante ainda um pouco pesado. Mas a isso nos acostumaríamos por nossas vidas em fora. Li certa vez que Jesus, o Proto-Mártir da Cristandade, não costumava sorrir. Os indígenas também não ostentavam alegria. É verdade que uma existência pobre pode deixar-nos acabrunhado. Não era o caso de mamãe, pois ela jamais perdeu as esperanças. Lutou tenazmente enquanto viveu, pela realização dos filhos, por meio do trabalho honesto e perseverante. Foi mais ou menos isso que eu entendera em suas não muitas palavras. Na avaliação dela, estava tudo em seu lugar. De tempos em tempos recebia alguma notícia dos demais irmãos. Aferrara-se ainda mais sua religiosidade. Agora com o incentivo da Rainha Medianeira de Todas as Graças.
Ao anoitecer o irmão mestre-padeiro saiu para seu trabalho noturno, na panificadora. Ainda com o coração despedaçado por ter deixado o Cacequi, tratei de refazer-me para o dia seguinte. Tomei a benção de minha mãe, como de costume, e me fui ao 'berço'. Adormeci e 'dormi como uma pedra'. Seis horas da manhã fui acordado pelo irmão padeiro que acabara de voltar do trabalho. Saltei, atirei um pouco d'água fria nas fuças e chispei pra o local determinado pela circunscrição militar. Caminhões do exército aguardavam já quase repletos. Mais uns minutos e a 'carga' estava completa. Rumamos pra fora da área urbana. Daí a algum tempo o comboio adentrou um portão que dava acesso a inúmeras edificações muito sólidas e bem conservadas, aparentemente novas. Estávamos na 'antiga aviação'. Mais precisamente, no 3º BCCL - Terceiro batalhão de carros de combates leves. Ali seria, para muitos daqueles jovens, a moradia nos próximos doze meses. Alguns seriam recusados. Outros, ainda, se reengajariam, ao término do serviço militar, para o qual foram legal e regularmente convocados.
No mesmo dia fiquei sabendo que não seria 'mandado de volta' pro Cacequi. Organizados em filas que se iam formando por ordem alfabética. Uma fila ao lado da outra. La pelas tantas: Sou eu! Gritei ao ouvir 'berrarem' meu nome, bem ali, próximo.
- Sabe ler e escrever teu nome?
- Sei! Respondi com meia-voz, pois recordara quando meu antigo mestre-boticário fizera a mesma pergunta, e a seguir dera-me um balde com água, sabão, vassoura e pano pra iniciar a primeira aula de aprendiz.
- Que mais tu sabes fazer?
- Faço injeções e curativos. Respondi.
- Vai pra ali. E apontou pra um lado onde já estavam dois ou três. Sendo que um deles tinha umas 'cobrinhas' na manga da camisa, mais ou menos à altura do braço, logo abaixo do ombro. A seguir mais dois se juntariam ao nosso pequeno grupo. Estava selecionado o pessoal que serviria no Serviço de Saúde Regimental. Não estava mau, pro primeiro dia. Uma certeza me bateu: Eu não seria devolvido pro Cacequi. Somente muito tempo depois, descobri que minha experiência naquela querida terra cumprira-se.
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