Finalmente vou reportar-me ao então promissor ofício de Boticário no qual seria eu iniciado naquele já distante agosto de 1955. Minha experiência “relampo” como aprendiz de padeiro teria sido frustrante, não tivesse servido para me abrir a “janelinha de emergência”, e a seguir, a porta comercial de uma farmácia ou 'botica' como ainda era tratada pelos mais próximos, à maneira de chiste, naqueles dias. Cheguei, um pouco antes da sete horas da “matina”'. Uma grande vantagem pra quem costumara saltar da cama às quatro da madrugada para ir pra a padaria. Apenas pra confirmar, o proprietário repetiria a pergunta “Se eu sabia escrever?”. Confirmei a resposta dada na primeira 'entrevista': Sim, eu sabia escrever e ler muito bem. Afinal era eu um 'aluno-monitor' no quarto livro do Grupo Escolar Estadual “Marechal Hermes da Fonseca”. A maior e 'única' escola primária pública da cidade. Havia outras. Mas só essa tinha o ensino fundamental completo, com quatro turnos. Sendo três turnos diurnos, e um à noite. Por sinal que nessa escola estudaram os irmãos 'mestre-padeiro' e a "irmã-prendada", a irmã mais nova que tricotava, bordava, fazia crochê e trabalhava de auxiliar de alfaiate, quando sua saúde permitia. Ato contínuo: o proprietário da 'botica' mostrou-me uma escova de crina de cavalos, munida de cabo, um balde com água e um naco de sabão. Foi dando a 'primeira aula', ao esfregar o piso do estabelecimento, que a seguir era enxugado com um saco de algodão cuja coloração encardida denunciava sua serventia. Higienizado o piso desde a loja até o laboratório numa peça reservada, ao fundo, passamos a próxima aula. Esta era limpar os balcões de madeira e vidro. Sempre usando água e sabão. Os vidros também eram assim tratados. Porém, secava-se os mesmos com algodão embebido em álcool. As armações de madeira pintadas em branco eram secadas com pano de algodão alvo. Uma vez por mês tirava-se o pó de todas as prateleiras envidraçadas e se lhes aplicava o mesmo tratamento, já descrito. Estavam reservadas, ainda, pra o primeiro dia daquele 'aprendiz de boticário' muitas novidades. Fui enviado lá pros fundos da casa, onde na Sala de refeições serviram um lauto café matinal, em presença de uma jovem e simpática senhora e uma pequena e linda menininha. A elas se juntaria, algum tempo depois, outra princesinha que o Papai do Céu enviara através da cegonha. Estas três criaturas até hoje, graças ao Bom Deus, com alguma frequência, alegram meus olhos e coração. Pois essa senhora e as duas meninas eram a esposa e as filhas de meu novo patrão e Mestre-Boticário. Sutil e edificante lição de humildade me fora oferecida naquela radiosa manhã setembrina. Outras muitas viriam, porém aquela marcou indelevelmente minha memória. Tal qual, ou mais fortemente até, que o teria feito o gancho de açougue, cuja ferida em minha coxa fora esterilizada com ferro ao rubro, há alguns anos já passados. Após o café, retornei, agora ao Laboratório, onde eram manipuladas as fórmulas medicamentosas. Minha primeira lição foi como lavar vidros, e criteriosamente, a ponto de os mesmos serem capazes de virem a conter as ditas fórmulas medicamentosas que iriam minorar o sofrimento das criaturas, quando se não lhes curava, propriamente os males. Assim, aquela primeira manhã se consumiu. Almocei na sala de refeições da família, sozinho. Depois entendi o “porquê”. Ao meio-dia, no Cacequi daquela época, chegavam nada menos do que quatro trens abarrotados de passageiros e mercadorias que eram remanejados ou trasladados para os quatro quadrantes do nosso mui amado Rio Grande do Sul, e mesmo para outras regiões do nosso Brasil. Muitas pessoas dos fundos de municípios limítrofes, servidos pela antiga Viação Férrea do Rio Grande do Sul, VFRGS, além de infinidade de outros viajantes. Vendedores, artistas, músicos, turistas, militares e até funcionários públicos graduados em férias, políticos famosos em campanha eleitoral, faziam 'escala' ali. Era um "formigueiro de gente" na estação férrea daqueles dias. Muitos passageiros demandavam objetivamente, o comércio local, naquela hora de verdadeiro "rush". O movimento na farmácia tornava-se intenso, e então todos que tivessem experiência deveriam estar a postos para 'despachar' no balcão da farmácia. Às quatorze horas aproximadamente, súbito, 'mermava' o movimento. Era hora de retomar aulas para que um dia pudesse eu ser aproveitado nessas horas de intenso movimento. Estava explicado o motivo de eu almoçar solitário. A esposa auxiliava o esposo-boticário naquelas horas. E a menininha tomava mamadeiras fora daquele horário. Com o tempo me ia 'caindo a ficha' em relação a essa e outras muitas situações. Fato é que às quinze horas eu me dirigia célere a minha escola para concluir o penúltimo ano escolar. Começavam dias muito alvissareiros pra mim, minha saudosa e já um tanto derreada mãe e, mesmo para os irmãos que deixavam alguns níqueis em casa. Pois como trabalhadores braçais ganhavam muito pouco. Exceção ao irmão mestre-padeiro que já era profissional, embora não legalizado no então IAPI. Mas isto fica pra outros pruridos reminiscentes. Continuemos conhecendo as peripécias de um aprendiz de boticário!
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
O APRENDIZ DE BOTICÁRIO.
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