sexta-feira, 18 de setembro de 2009

RUMANDO PRO CACEQUI

Várias semanas foram contadas até a mudança efetivamente começar. Deveríamos avaliar criteriosamente quais trastes levaríamos e quais eram prescindíveis. Recordo-me que o velho moinho-de-pedras foi causa de longos suspiros por longo tempo. Trastes da casa-grande foram todos: camas, roupeiros e um oratório "falquejado" pelo velho pai ainda em vida e saúde; a máquina de costurar Koheler-saxonia com a qual minha mamãe "vestia" a "filharada" e na qual só ela tocava,embora fosse de acionamento manual,era uma raridade, Made in germany (se me não equivoco).Um tosco baú, aliás já nosso conhecido, ainda contendo o vestido de casamento "amarelecido", entre outras roupas e objetos de minha mãe e irmã. Alguma peça de "riscado"(um tipo de tecido barato de algodão) pra roupa dos filhos, fotografias de família já anêmicas, livros sebosos entre os quais um exemplar do "almanaque do Pensamento",sacos e sacos brancos e de estopa que nunca me interessei em vasculhar-lhes o conteúdo.Uma mesa grande muito bem acabada e algumas cadeiras de madeira maciça com assento e encosto artisticamente acabadas em trança de palha de milho. Minha mãe tramava cadeiras com essas tranças e muito pão ela colocou em nossa mesa atendendo encomendas de vizinhos e amigos. Muitos outros objetos de que não recordo completavam duas carretas de bois, incluindo o “cusco Respeito" e um velho gato oveiro conhecido por "Mimi". Toda essa “tarecama” foi acomodada nas carretas de modo a deixar lugar pros retirantes. No recavem da carreta dianteira ia dependurado um candeeiro para iluminar, se necessário, as duas carretas tiradas por duas juntas de bois. Claro que muita coisa foi guardada fora de minha vista e percepção, a julgar pelo aparecimento delas em nossa nova moradia, no Cacequi, como veríamos tempos depois. Com tal carga o pequeno comboio deixava as Estradas de Belém, rumando para sudoeste, em oposição ao noroeste de onde outrora procederam meu pai e minha mãe. Madrugadão de meados de setembro de 1951, antes da primavera se apresentar nos estávamos começando, de fato, a nos retirar da fazenda Primavera onde eu nascera e para onde nunca mais voltaria, mesmo em visita. Pomo-nos na carreteira tributária das Estradas de Belém. No trajeto, um aceno para um amigo, ou o "até a volta" para outro, até que chegamos para almoçar na casa de uma família amiga cujo nome esqueci. Após o almoço, sem sestear, agradecemos, despedimo-nos com o "até a volta" e rumamos pro Cacequi, pernoitando num grande galpão da estância de um cunhado de nosso ex-senhorio, de sobrenome Xavier, que nos acolheu e acomodou generosamente. Havíamos vencido metade da viajem, mais ou menos. No dia seguinte venceríamos a outra metade se Deus quisesse. E Deus quis. Claro que a todas essas pessoas, já conhecidas de minha mãe, oferecíamos nossa nova moradia no Cacequi.

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