sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A MUDANÇA DA "PRIMAVERA" PRO POVO

Pois a mudança finalmente ia ser concretizada. Mudança envolve atitudes radicais muitas vezes. Nesta não seria diferente. A casa adquirida no Povo, digo, em Cacequy (naqueles dias ainda grafado com Y, mas depois eu explico isso) não era grande o suficiente para acolher todos os trastes que possuíamos. Assim muitos desses teriam que ser deixados. As camas de "tarimba" (armações com dois varões sobre quatro forquilhas atravessados por inúmeras varas de guajuvira lado a lado forradas com couro de bagual encimado por pelegão) seriam cambiadas por camas modernas com lastro de tábuas e colchão de palhas de milho, milhã ou penas de aves. Estas, mais macias, já eram usadas nos colchões de minha mãe e irmãs. O longo e tosco fogão de barro com chapa larga e longa capaz de acolher uma dezena de panelas e marmitas de ferro cederia lugar a um fogão de latão esmaltado com quatro bocas e outras tantas panelas, menores agora. Eu fui o grande prejudicado nessa permuta, pois no antigo fogão campeiro cabiam tições de dois metros ou mais, nos quais somente eu estava autorizado a "cavalgar" nas gélidas manhãs de inverno antes de pegar a "batata quente" no borralho e ir servir embaraços de batatas às vacas de ordenha. Muitos outros trastes, teríamos que abolir para nos adaptarmos a nova vida. Creio que o mais lamentado de todos foi certamente aquele que nos fornecia a fartura do bolo de milho, o pão de forno, a quirela pros pintos, a canjica e outras “cocitas” mais dependente da habilidade de um dos manos que era grande maestro naquele soberano instrumento: O moinho! O velho moinho formado de duas mós de pedra-basalto que superposta uma à outra se podia criar um espaço regulado por uma cunha e um eixo. A pedra superior era acionada por uma vara presa ao teto por uma ponta, a outra ponta era introduzida em um buraco na extrema lateral da superfície superior. A geringonça era "manobrada" em movimentos circulares horizontais. Os grãos a serem triturados eram colocados em um buraco no centro da mó superior. Ambas as faces internas das mós tinham ranhuras que comunicavam com o buraco cheio de grãos os quais eram triturados à medida que a mó superior girava e o produto era recolhido em um grande receptáculo de madeira muito bem conservada e limpo. Quanto mais frouxa a cunha mais pesado ficava para o "moedor" mas mais fina a farinha. Canjica, e quirela pros pintos requeriam cunhas sensivelmente mais grossas. As cunhas finas davam farinhas finas que ainda eram joeiradas ou tamizadas (peneiradas) de acordo com o "moedor" e a "encomenda". Foi deveras muito lamentada a falta do velho moinho; na cidade a coisa era diferente. Tudo era comprado, e o dinheiro apurado na Fazenda Primavera com a venda das benfeitorias e semoventes não duraria eternamente, por mais controlada que minha mãe fosse. E ela era muito controlada, como provou, e mais tarde reportar-me-ei a tal.


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