terça-feira, 22 de setembro de 2009

EPÍLOGO DE UMA ERA

Execrado por uns. Endeusado por outros que, por sinal, constituíam a grande maioria da massa de trabalhadores empregados, principalmente, nas empresas de manufatura que constituíam o, ainda modesto, parque fabril brasileiro de meados do século vinte. Período esse marcado pela administração do são-borjense Getulio Dornelles Vargas. Como presidente da república esse ilustre gaúcho tomou uma série de atitudes objetivando tirar nosso país do marasmo que ainda guardava sinais da antiga monarquia. Com a massa trabalhadora, sua protegida, com leis que a encorajavam a buscar vínculo e segurança para uma vida mais digna, transformada em ''massa-de-manobra'' política. Tal não podia agradar aos líderes e representantes minoritários das classes dominantes: Setores militares, grandes empregadores e a mídia daqueles dias, que viam como impopulares aquelas atitudes. Em realidade, eram medidas populares, pois o ''Bom-velhinho'' 'passaria' para a ''eternidade'' como o "Pai-dos-pobres". Do julgamento, a história se encarrega; até porque as correntes políticas, como em todas as épocas, servem-se do papel de imprensa que ”aceita tudo". Que nem a nossa hodierna internet. Mas este assunto é vasto e complexo, exigindo erudição e fôlego. Não sendo meu propósito dele me ocupar presentemente. Talvez retorne a ele no futuro, quando as "chilenas" estiverem mais 'cegas' , a "pena" mais gasta e os horizontes mais claros. Como todos sabem o "Bom velhinho" começou a afundar num mar-de-lama sem precedentes que tinha ancoradouro nos "porões" do Palácio do Catete, e pelo qual era o grande e único responsável. Não querendo desistir nem ser novamente "apeado" do cargo de Presidente, achou a solução no ato extremo e capital: suicidou-se. E este fato me faz recordar meu saudoso irmão Paysano. Teria ele se inspirado no ''Bom-velhinho?". Só Deus e seus "olheiros" saberão me dizer, quando para isso venha eu a estar mais preparado.

A notícia da morte do Presidente "pai-dos-pobres" teve efeito devastador na cidade de Cacequi. Até pelo fato de nessa cidade morar uma família que era tida com aparentada do falecido presidente. Por sinal tinham membros dessa família que eram meus colegas de aula. Não necessariamente no mesmo ano. Na época era comum juntar alunos de anos (hoje é série) diferentes que eram ensinados por uma mesma professora. As turmas, já pequenas, se tornavam menores devido a desistência ou reprovação. Assim eram colocadas na mesma aula (classe), sendo separadas por largo corredor central. Um aluno mais aplicado era nomeado "monitor" para auxiliar a professora. Esse monitor cuidava da separação das classes, verificava os deveres de casa, inspecionava a apresentação, comportamento e higiene dos colegas. Inclusive se mãos, pés, ouvidos e dentes estavam limpos. Cadernos e livros bem conservados, limpos e encapados. Aventais brancos longos com gravata azul para os meninos e grandes topes para as meninas deveriam estar em bom estado: Limpos, com todos os botões e sem rasgões. Tudo era anotado numa planilha e passado para a professora. A falta de cuidados com esses quesitos fazia descontar nota no boletim escolar. Eu fui um monitor para os meninos. Custou-me alguns desgostos. Na semana da pátria eu integrava um pelotão especial dos monitores, conhecido por "Pelotão de Saúde". Dava muito prestígio. Recebíamos aplausos diferenciados que nos inflava o peito de orgulho e vaidade. Meu irmão Estrabulega apreciava o meu sucesso. E a vida continuava com altos e baixos.

Foi por essa época, que certa manhã, antes do recreio bateram nervosamente na porta de nossa sala de aula. Abri, e a moça auxiliar da secretaria, aos prantos, informou nossa professora que a Diretora mandava suspender as aulas por três dias, devido o presidente Getúlio Vargas ter se suicidado. Comoção geral! Choros e gritos, especialmente dos aparentados do histórico Presidente. Demandei minha casa e, lá chegando, aos prantos comuniquei a mamãe o infausto acontecido. Ela ficou muito alarmada mas acabou se recompondo e nos acalmando. Exatamente um mês após, aproximadamente à mesma hora, nossa casa seria 'visitada' pela derradeira vez por meu irmão Paysano, vítima de semelhante infortúnio. Mamãe 'desmoronou' e só muito tempo depois,lenta e gradativamente ela retomaria à rotina de nossas vidas. Acidentalmente surpreendíamo-la esboçando um discreto sorriso que logo era arrematado com um longo e entrecortado suspirar. Cobriu-se de luto novamente. Saia de casa pra ir a missa e retornava soluçando. Não deixava de cuidar os restantes irmãos nem os afazeres domésticos. Continuava a tramar cadeiras,tricotar,cozinhar e coser. Sempre com olhar perdido acompanhado de langoroso e quase inaudível lamento. Se estávamos por perto passava-nos delicadamente a mão, como a nos encorajar com a imensa força interior de que era depositária.

A vida continuava pra os que ficaram. Reapertamo-nos entorno dela e as coisa pareceram fluir por algum tempo. O irmão Estrabulega e novas recaídas na saúde de minha irmã impediam-nos de avançar mais rápido. Da peça de 'riscado' (um tecido de algodão barato a que já referi) trazida da fazenda Primavera, ela confeccionou ''bombachas'' pra todos os irmãos, inclusive o irmão Dartagnan. Pra mim, o ''rapa-do-tacho'', até sobrou uma 'bombachinha de correr-pintos', por sinal ''tobiana'' pois fora feita de retalhos do dito riscado escuro mesclado com retalhos de outro riscado bem mais claro. Mesmo assim eu ostentava muito 'janota' aquela bombachinha. A moda tinha 'pegado' em mim. Tanto que as próximas calças curtas de verão, também viriam a ser “tobianas”. Com essas vestes eu ia à escola “bem garboso”, tendo por cima um avental feito de saco de algodão alvejado, que causava inveja em alguns colegas.Mamãe tratava os sacos de algodão, que vinham com farinha para a padaria, até ficarem alvíssimos.De uma feita,como eu era tido como bom leitor de textos, fui escalado para ler uma poesia. Tinha que fazê-lo, mais ou menos pilchado. Mas eu não tinha botas e a bombacha era fajuta. Resultado: Fui preterido. Em outra oportunidade eu deveria integrar o glorioso ''Pelotão de Saúde" de nossa escola, fardado com camiseta, calção e tênis brancos. Não havia dinheiro pra tudo. Informei essa situação pra minha professora Edi Holszhu Leitão. Ela comprou o dito uniforme e depois nos lho pagamos em suaves prestações. Oh época de gloriosas mestras! Mães e professores como tais não davam em touceira já naqueles dias. Hoje quem ler estas linhas dirá que é mentira. Asseguro-lhes: É a mais cristalina verdade!

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