Começamos logo nas lides militares. Alvorada às 6 da manhã. Café às sete e formatura às 8 horas. Em seguida era feita a chamada com a leitura do boletim interno. A publicação de tudo quanto acontecia no quartel: Incorporações, promoções, deserções, transferências, elogios, castigos e o mais que fosse registrado na vida dos militares convocados e de carreira. A Companhia de Serviços - CS entraria com três enfermeiros padioleiros, convocados para integrar a Enfermaria Regimental. Ficaríamos a disposição permanente daquele serviço. Os convocados se revezavam nas lides de saúde e nas instruções de treinamento de ordem unida. Às vezes ficávamos horas marchando com um fuzil até dominarmos a maneira de o portarmos corretamente nas várias posições. Os filmes com temas de guerra mostram exaustivamente, como é a disciplina na caserna. Poupar-me-ei de enfadonhas explicações.
Onze horas o corneteiro tocava ''debandar'' e a seguir ''rancho''. Duas horas para almoço e descanso. O Reinício do expediente era à uma hora. Às cinco horas, momento da debandada. Novo toque anunciava o 'rancho'. Às dez da noite, vinha o ''silêncio”. Na manhã seguinte reiniciava toda rotina. Para os 'empregados' na enfermaria regimental, nas repartições burocráticas, oficina de manutenção de máquinas, a rotina de instruções era dupla, embora mais leve, pois não participavam de determinadas escalas. Outros até dobravam serviço por ter que enfrentar várias escalas. Nós do Serviço de Saúde Regimental – SSR, quando tirávamos serviço na nossa Companhia, não trabalhávamos na enfermaria. Com o tempo ficamos a disposição da mesma.
Não levou muito tempo e mostrei minhas habilidades. Curativos em escoriações comuns e injeções era comigo mesmo. três graduados e um oficial completavam o quadro de seis elementos no SSR. A rotina seguia a 'toque-de-caixa'. Vez por outra aqueles que moravam na cidade eram liberados. Quando não, ficavam tirando “guarda”, nos vários postos existentes e nas companhias. Certa vez fui a cidade e ouvi de meu irmão padeiro que a 'coisa estava fedendo'. O então governador Leonel Brizola estivera em Santa Maria e ameaçara disponibilizar o III Exército e com ele, garantir a posse de seu cunhado João Goulart, vice do presidente Jânio Quadros. Com a renúncia deste, legalmente, assumiria o nosso Jango. A mídia do centro do país, setores das forças armadas, e outras 'forças ocultas', no dizer de Jânio, não queriam deixá-lo assumir, por entenderem que além de populista, Jango estaria comprometido com esquerdistas de Cuba, URSS e China. Brizola queria que a lei constitucional fosse respeitada.
Os quartéis estavam intimando todos os militares a se apresentarem imediatamente em suas corporações. Interrompi minha folga e me apresentei. Na manhã seguinte a rotina no quartel era marcada por músicas marciais e hinos que exortavam ao Civismo. Ao 'toque de recolher', ninguém mais podia sair do quartel. Era o Estado de Alerta. Instruções estavam aceleradas. Por duas semanas ninguém saía nem entrava no quartel. No nosso era assim. Nos demais não seria diferente. Muito “disse-me-disse”. Nós, recrutas não sabíamos nada. Ligar rádios dava punição com reclusão no quartel. Lá pelas tantas fomos selecionados e reunidos numa área especial de instrução. Sempre as músicas marciais e hinos. Fizemos um pré-juramento à Bandeira e a Pátria. Alegação: Não dava tempo para esperar a época regulamentar para aquele procedimento formal. Nosso deslocamento para Porto Alegre poderia ocorrer a qualquer instante. Alerta geral e prontidão nos quartéis. Os direitos constitucionais na carta-magna tinham que ser respeitados. Jango tinha que assumir. E assumiu realmente. Mas para isso foi votado e aprovado o parlamentarismo. Vale dizer que Jango não poderia governar em meio à bagunça política criada pelas inúmeras correntes partidárias. Por deferência especial do oficial-de-dia, consegui dar um pulo em casa. Fui na viatura do rancho buscar pão. Minha mãe estava apavorada com o noticiário. Tentei acalmá-la. Na saída ela viu meu capacete e cinturão deixados entre as flores. Pediu explicações. Respondi que era rotina naquela situação. Retornei pela madrugada, antes do corneteiro tocar ''alvorada''.
Mais alguns dias. Fins de julho, início de agosto de 1961. Debaixo de chuva e frio, como tal nem na Fazenda Primavera lembrava ter enfrentado. Que trabalheira colocar aqueles blindados 'leves' nos vagões da VFRGS. Se os 'leves' pesavam que nem consciência, como seriam os pesados Sherman, que diziam ser usados no centro do país. No dia da partida do comboio militar-ferroviário, minha mãe não compareceu. Estava só minha Irmã-religiosa, que por essa época já se encontrava em Santa Maria. Tínhamos conseguido poupar nossa mãe de ter maiores preocupações. O resto da tropa ficara no III-BCCL, assim ela pensou que eu estava lá. O deslocamento da tropa embarcada nos vagões da VFRGS durou cerca de três dias. Debaixo de chuva, frio e vento. Nesse período tomamos uma refeição quente de arroz com carne guisada. A cozinha de campanha daquela expedição militar não fora contemplado com logística adequada. Ainda bem que fora uma mobilização fajuta. Nós convocados, não sabíamos disso. Chegando em Porto Alegre fomos imediatamente trasladados para o então Parque de Exposição Agropecuária, situado no bairro Menino-Deus, bem próximo ao recém inaugurado estádio Olímpico do GRÊMIO FUTEBOL PORTO-ALEGRENSE. Hoje com o nome de Parque de Exposição Assis Brasil ele está magnificamente localizado no município de Esteio, na área metropolitana de Porto Alegre.. Estendíamos mantas sobre a palha que servira de cama aos animais, e ali dormimos. Ficamos abivacados, literalmente, por cerca de trinta dias. A comida, embora racionada, não faltou. Às vezes dava ganas de transformar alguns bovídeos remanescentes, em churrasco.
2 comentários:
Ótimo relato de "testemunha ocular da história"! Fiquei curioso sobre o capacete e o cinturão no meio das flores...
Oriundo de um experiente Reservista da 'altaneira' F.A.B., tal comentário 'cheira' a 'advertência`. Buscarei ser fiel com minhas já esfumadas remembranças.Quanto a sua 'curiosidade',ao manifestá-la, já teríeis a resposta; O.K., my dearly 'letter-right'?.hehehe...
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